A Falta de empatia dos Magistrados e operadores do Direito nos processos de Retificação do Registro Civil das pessoas Trans

Texto de Bruna G. Benevides

(Textão? Textaço!!!)

Falar sobre a Retificação do Registro Civil (Mudança de Nome) das pessoas Trans seria algo muito simples, caso os Senhores estivessem dispostos a nos ouvir, a entender nossas reais necessidades, e principalmente, se pudessem alcançar o impacto que essa decisão trará, em termos de cidadania, para a vida de cada pessoa que, individualmente, padece à espera de um veredicto ainda cheia de controvérsias, decisões arbitrárias e equivocadas, cercadas de tabus – galgados muitas vezes em juízos de valores equivocados, às vezes, vazios de humanidade e empatia.

Trata-se de uma ação pessoal, que não envolve terceiros e que diz respeito exclusivamente ao/à requerente, que fala do seu direito à liberdade individual, especialmente, sobre sua vida e sua vivência.

Na organização do processo, pedem-nos para aceitar e vivenciar um diagnóstico de ‘Disforia de Gênero’ (CID.10 – F64), mesmo não estando e não sendo doentes; obrigam-nos a fazer terapia, psicológica e psiquiátrica, compulsória (OBRIGATÓRIA) por dois anos; pedem-nos laudos médicos atestando que somos quem somos; exigem-nos fotos, provas que existimos na sociedade; pedem-nos testemunhas para atestar quem somos. Anexamos certidões negativas de débitos e criminais e, ainda, enxergam-nos como criminosos tentando fugir de suas possíveis contravenções, excluindo totalmente o princípio da Presunção de Inocência.

E, mesmo assim, os processos ficam anos e anos à espera de um olhar capaz de enxergar a nossa dor.

Há relatos de pessoas que aguardam cinco (5), às vezes, oito (8) anos para ter seu pedido deferido, sendo que durante a vida inteira, essa pessoa foi submetida a toda sorte de humilhação.

Estima-se que 35% das ações de ‘Mudança de Nome’ sejam negadas, porque muitos dos Senhores não enxergam a pessoa como pertencente ao gênero ao qual ela se identifica e, em muitos casos, ainda impõe a obrigação de que a pessoa tenha passado por alterações corporais para que tenhamos nosso pedido aceito.

Mas e as pessoas que não tem como arcar com esse procedimentos? E as pessoas que, por problemas de saúde, não podem fazer essas alterações? E as que não querem passar por mudanças em seus corpos?

A essas pessoas será negado o direito ao nome? O direito de existir? Ou iremos, de fato, obrigá-las a fazer tais mudanças para satisfazer o que muitos dos Senhores entendem que seja um fator determinante para nos ver como pessoas, humanas, cidadãos e cidadãs, homens e mulheres, dotados de direitos?

O Código Civil estabelece que toda pessoa tem direito ao nome.

É incontestável que o nome civil é um dos principais elementos individualizadores do sujeito. Trata-se de um símbolo da personalidade do indivíduo, capaz de particularizá-lo no contexto da vida social e produzir reflexos na ordem jurídica.

Mas como conviver com um nome, em desacordo com a realidade, que não preenche nenhum dos requisitos acima e ainda nos expõe a situações vexatórias, cotidianamente, sem que as pessoas sequer consigam alcançar a violência a que estamos expostas e expostos?

Sem direito ao nome, sem direito à escola e sem direito a direitos, o que nos resta nessa vida?

O maior fator de exclusão das pessoas Trans das escolas é estar exposta a um nome que lhe ridiculariza e constrange. Como consequência disso, formamos pessoas marginalizadas por um “CIStema” que se acostumou a nos ver seminuas, ocupando as esquinas, mas que nos rechaça e humilha, quando estamos nos bancos da academia, lutando por um futuro diferente do que nos foi imposto. Quero estar na esquina por decisão própria, mas quero o direito de não estar, se eu quiser!

O mercado de trabalho não nos acolhe quando recebe um currículo que traz um nome incongruente com a pessoa que está diante de quem lê, mesmo que seja a pessoa mais qualificada para o cargo, denunciando uma identidade marginal e subumana que reexiste em nossa sociedade e que, acima de tudo, deve continuar calada, sendo assassinada e no lugar onde querem que estejamos.

Deveria haver preocupação, sim, com conceitos muito mais avançados, reais e humanos, que procuram investir-se de empatia em relação aos requerentes para encontrarem a solução ideal, real e necessária.

”Simplesmente manter-se equidistante – mas frio – em relação às demandas dos requerentes é muito pouco para um magistrado idealista. Aquela conduta robotizada é aceitável para uma máquina, um computador bem programado, o qual consegue realizar – e até melhor que muitos magistrados de carne e osso – uma avaliação dos prós e contras das razões de cada litigante.

As convenções internacionais deveriam deixar os lugares-comuns e abrir caminho para a evolução verdadeira do Judiciário, no sentido da sua humanização. O que falta não são congressos, reuniões, palestras, discursos, efemérides, tratados, artigos e estudos teóricos, mas a humanização das pessoas. Afinal, são as pessoas que operam o Direito. A maior deficiência está nelas.

Mas, principalmente, há carência do elemento humano qualificado, não tanto intelectualmente, mas pelo requisito avançado da boa vontade, que é consequência da vocação dos verdadeiros servidores públicos.”

Muito prazer, meu Nome é Bruna, tenho 36 anos. Eu não existo de fato na sociedade, mas estou aguardando a minha retificação para (re)existir!

P.S.: Existe um Projeto de Lei tramitando (PL 5002/2013 – Lei João W Nery) que trata exatamente sobre o processo de desBURROcratização de toda a problemática acima. Para saber mais, clique nos links abaixo:

Esclarecimentos e importância da PL 5002/2013:

http://jeanwyllys.com.br/wp/esclarecimentos-sobre-o-pl-50022013-joao-nery-no-que-tange-ao-direito-a-identidade-de-genero-de-pessoas-menores-de-18-anos-de-idade

Tramitação e acompanhamento:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=565315