A forma como mulheres trans somos privadas de reconhecimento social não se dissocia da opressão patriarcal

Por Raíssa Éris Grimm.

Toda mulher
tem um corpo único e singular –
seja no seu metabolismo, seja na sua forma de sentir, seja na sua morfologia, etc.

Isso não é só verdade quando a gente fala nas diferenças fisiológicas entre mulheres trans e mulheres cis –
é também verdade quando a gente das diferentes de mulheres cis entre si,
assim como de mulheres trans entre si.

Tem mulher cis que não menstrua. T
em mulher cis que não engravida. Mulheres cis que não tem tpm
(assim como mulheres trans que expressam, fisiologicamente, manifestações semelhantes à tpm por efeito da hormonização)
Mulheres cis que têm seios (“naturais” ou de silicone), mulheres cis que não têm..
Mulheres cis de voz grave, mulheres cis de voz aguda. Mulheres cis com barba.
Mulheres cis que nunca serão mães. E outras que sim.
etc,
etc,
etc

Ser mulher é um mundão de diferenças.
E isso que eu to falando só de características macroscopicamente visíveis. No plano daquilo que é mais sensível em nossos corpos (por exemplo: dinâmicas emocionais).. as coisas são muuuito mais complexas ainda.

Mas nossa sociedade constrói um padrão biológico
sobre o que significa ser uma “mulher verdadeira” –
e marca tudo que se expressa fora disso
como um desvio, uma patologia –
por vezes impondo tratamentos de “correção” sobre o corpo das mulheres cis.

E constrói a ficção de que existe um universal
sobre o que significa “ser mulher” –
onde mulheres trans não se encaixam,
e mulheres cis com certeza também não.

E aí “aparece a gente” – travestis e mulheres trans – na jogada.
Não que a gente esteja “aparecendo” agora – sempre estivemos aqui, só estamos mais visíveis e articuladas.

E tentam convencer que, “fisiologicamente”, nossa experiência corporal
é 100% e radicalmente diferente de todas as mulheres cis.

E aí eu sempre me pergunto
1- será mesmo?
2- de quais mulheres você tá falando?

Porque – com excessão TALVEZ daquilo que corresponde às genitálias (que é uma parte de nossos corpos, porém não definem nosso corpo inteiro – e olha que também é operável) –
você pode selecionar Qualquer característica de mulheres trans,
e pode encontrar uma mulher cis com características parecidas.

Principalmente se você olhar pra mulheres trans que se hormonizam (mas não só).

Tem mulher cis que é recorrentemente
“confundida com travesti”,
vocês acham que isso acontece por quê? Vão dizer que tem “algo de errado” com ela –
ou será porque esse ideal mesmo da “verdadeira mulher”
é tão frágil
que nem mulheres cisgêneras se encaixam totalmente dentro dele?

Existem características físicas esperadas de “uma verdadeira mulher”
que mulheres trans nunca expressaremos –
existem caracerísticas físicas esperadas de “uma verdadeira mulher”
que muitas mulheres cis também nunca expressarão.

Entender a multiplicidade das possibilidades de existir enquanto mulher
– respeitando a singularidade de cada corpo em suas necessidades –
pode muito bem ser uma pauta de luta feminista.

A forma como mulheres trans
somos privadas de reconhecimento social
e direitos básicos de cidadania – não se dissocia
da opressão patriarcal
que segue impondo sobre mulheres cisgêneras
a violência da expectativa universal que constitui certo “ideal de mulher”.

Entre diferenças, opressões e privilégios
nossas lutas caminham juntas.

EDIT
“diria que mesmo pensando genitálias (operadas ou não) da pra perceber váaarias semelhanças e distanciamentos. A gente tem a ideia de que toda genitália nomeada como buceta são iguais entre si e toda genitália nomeada como pau são iguais entre si. Mas a real é que uma parte das “nossas genitálias” tem um funcionamento muito parecido com o do clitóris. Tem pessoas que o “clitóris” é maior do que o “pau” de outras. Com muitas aspas pq acredito que quem nomeia somos nós, não a biologia.

Sem falar que tanto mulheres cis e trans/travesti podem ser intersexo.”

(comentário de Helen Maria, complementando ainda mais a reflexão )

IMAGEM:  GARY LEGAULT. MARSHA P. JOHNSON, JOSEPH RATANSKI E SYLVIA RIVERA, ÍCONES DA LUTA TRANS NOS EUA. VIA JUSTIFICANDO.


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