Texto de Leonarda Lisboa.
[ALERTA: TEXTÃO]
“As mulheres não são oprimidas por conta de suas identidades, são oprimidas por conta de sua ‘biologia feminina’, então não tem sentido mulheres trans no feminismo.”
Entender que a imposição/designação de um gênero ao nascimento causará impacto em como uma pessoa é tratada e oprimida, e ver mulheres trans como parte importante da luta feminista não são coisas dissociadas, se entendemos que a opressão de gênero não se manifesta de forma homogênea.
Como uma pessoa se identifica, se essa identidade é expressada ou reprimida, se essa identidade coincide com a imposição do gênero ao nascimento ou não, terá impacto em como ela é oprimida. Seja a pessoa cis ou trans, a não conformidade com a expectativa capitalista, patriarcal e binarista de gênero, afeta como essa pessoa é oprimida.
Gays, lésbicas, homens efeminados, mulheres masculinizadas, travestis, pessoa não-binarias, pessoas não-monossexuais… e entre si, seus inúmeros recortes históricos, geográficos, religiosos, raciais, culturais… comprovam a diversidade de como a não-conformidade com os padrões de gênero, sexuais e reprodutivos se manifesta em forma de opressão.
Independentemente do seu conceito de gênero, não é difícil entender que uma mulher trans não experimenta os mesmos privilégios de gênero que um homem cis. A não-conformidade com a imposição de gênero e que a reação social perante a existência dessa não-conformidade lhe causa marginalização, coloca sua existência em risco, a exclui dos espaços e direitos oferecidos a população cisgênera, causa danos psicológicos e ameaça sua integridade física. Ignorar os dados alarmantes que comprovam isso não tem nada de materialidade.
Quantas semelhanças existem na luta dessas pessoas que vivem na não-conformidade das expectativas de gênero e sexuais e na luta feminista para termos o direito de não estarmos presas as expectativas de gênero e sexuais? Não são exatamente o mesmo discurso? Uma luta para não estarmos presas a imposição de estereótipos de gênero, não sermos coagidas a desempenhar compulsoriamente papéis sexuais e reprodutivos, termos autonomia sobre nossos corpos, extinguirmos gênero como uma estrutura normativa de opressão? Como negar a semelhança das lutas e a semelhança do discurso opressor(e porque não dizer logo: o mesmo inimigo) que atinge ambos grupos pode ser materialidade?
As camadas de limitações e imposições sobre as quais gênero foi e ainda é construído é tão multifacetada e ampla que afeta quem tem útero e quem não tem, quem pode engravidar e quem não, afeta quem tem pênis, vagina e as pessoas intersexo, afeta quem se relaciona de forma heterossexual e quem não, afeta quem se identifica com o gênero imposto e quem não, quem segue os estereótipos de gênero e quem os nega…
Então qual o sentido de se dizer materialista e lutar por uma abolição de gênero ignorando que a mesma estrutura que oprime as mulheres cis oprime as mulheres trans? Apoiar mulheres trans no feminismo não se trata de negar as nossas diferenças, mas reconhecer que a opressão que nos atinge tem mesma estrutura e que a nossa luta é a mesma.