Diariamente ouvimos falar que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. E o que temos feito em relação a isso? Qual a nossa indignação e o comprometimento com a vida dessas pessoas, que tem sido assassinadas diariamente, pelo fato de (re)existirmos fora dos padrões impostos pela sociedade?
Muitas vezes, o primeiro contato de uma Travesti ou Transexual com a sociedade é a através da violência. Algumas no próprio no seio familiar e de forma muito precoce. Momento em que conhecemos também a exclusão, que nos coloca pra fora da possibilidade de disputa nos espaços sociais.
Sempre que falamos em disputa e conquista de direitos, ouvimos que queremos privilégios. Mas que privilégio é esse, onde temos que lutar todo dia pra sobreviver? Os números estão aí, é tudo muito claro.
Fica ainda mais difícil pra nós lutar por qualquer direito, se o principal, que é o direito à vida, nos está sendo negado. Hoje, nossa maior luta é a sobrevivência.
Hoje não conseguimos sequer sobreviver.
A inexistência de uma legislação que criminalize a LGBTfobia é uma das maiores motivações para o inaceitável avanço da violência direcionada a essa população. E os assassinatos representam apenas a ponta do iceberg.
Enquanto o Estado continuar ignorando nossa população, e os males que nos são impostos, se omitindo diante destes números, ele dá – de certa forma, a chancela para se continuar matando travestis e transexuais no Brasil. E que, ainda, muitas vezes a mídia, ao publicar o nome de registro da vitima ou desrespeitar sua identidade de gênero, comete um duplo assassinato. Isso para não citar as famílias que optam por ser intolerantes, que apagam de vez nossa existência, ao nos enterrar com nomes e roupas que não nos representam.
Se houvesse uma lei que tipificasse a LGBTfobia, poderíamos sonhar com um combate eficaz a essas mortes, que em sua maioria absoluta acabam passando impunes ou tratadas como um crime comum, por motivação torpe. Ignorando o contexto e as violências especificas a que estamos expostas.
Para materializar esses dados, criamos o Mapa dos Assassinatos das pessoas Trans* no Brasil a fim de publicizar esse descaso e escancarar essa ferida que vem aberta, que persegue e mata pessoas como eu, por ser quem nós. Xs responsáveis por quebrar a noção de normalidade e transgredir essa norma cristalizada, que nos persegue, exclui e mata!
Denunciando ainda, o preconceito de cunho moral, religioso e hipócrita, a cerca da prostituição, que não é crime, que acumula um processo de criminalização de classe, raça, e gênero.
O modo é sempre muito violento. O assassinato por tiros encabeça a lista de mortes, mas nós não estamos falando de um ou dois tiros, é uma execução. São sempre em torno de 20, 30 tiros, como se o assassino quisesse matar também a nossa alma.
Expurgar de vez a nossa existência. E é assim que ele faz!
80% destes assassinatos são cometidos por pessoas sem relação direta com a vitima, o que demonstra a Transfobia, presentes em todos os casos que vem sempre acompanhados de requintes de crueldade; e são as travestis e transexuais, em geral as profissionais do sexo, negras e em situação de vulnerabilidade social, as mais expostas.
O risco de uma trans ser assassinada é 14 vezes maior que um homem gay cis; e se compararmos com os Estados Unidos, as 144 travestis brasileiras assassinadas em 2016 face às 21 trans americanas, as brasileiras têm 9 vezes mais chance de morte violenta do que as trans norte-americanas. Em julho de 2017, já passamos de 100 mortes!
Precisamos pensar em prevenção e educação, em campanhas ostensivas e periódicas, contra o preconceito, contra o ódio. Contra ao discurso religioso que nos demoniza, contra àquela liberdade de expressão que nos desumaniza. E nos desumanizando, podem fazer conosco o que quiserem, até matar. Com a certeza da impunidade.
Precisamos de ações educativas nos espaços públicos e nas famílias, debates nas escolas e faculdades, nas unidades de saúde, órgãos de segurança pública e toda a esfera do estado e na sociedade.
É violência também não respeitar o nosso nome social e a nossa identidade de gênero. É violência nos impedir ou constranger ao usar o banheiro de acordo com a nossa identidade de gênero. Infelizmente, quando falamos de Travestis e Transexuais, é sempre algo relacionado à violência.
Todo dia as mesmas histórias, com personagens diferentes… E infelizmente é a vida real. Cada dia a realidade anda pior!
E é exatamente por isso que resistiremos!
Bruna Benevides
Mulher Transexual, Casada, 37 anos. Militar. TransAtivista.
Monogâmica. E que não acredita em nada sobrenatural
* Link para o Mapa dos Assassinatos:
Imagem: concedida pela autora, fotos de algumas das pessoas Assassinadas em 2017.