Texto de Marília Moschkovich. Publicado originalmente em 31 de maio de 2016, em seu perfil pessoal no Facebook. Na imagem, Lohana Berkins, ativista travesti argentina.
Temer anunciou hj um pacote de ações contra estupro e violência contra mulheres que parecia desenhado por uma radfem (as tais “feministas radicais” brasileiras). Entre outras medidas (aumento de grana pra polícia e mais pérolas do tipo), está o agravamento de penas para condenados por estupro.
A semelhança e aliança entre políticas conservadoras e essa corrente do feminismo não é nada nova. Já escrevi sobre isso na internet e em meu Facebook diversas vezes. Me recordo especialmente de um post com um trecho de a carta do Papa Bento XVI repudiando o conceito de gênero e-xa-ta-men-te com os mesmos argumentos das rads.
Historicamente vocês podem procurar ler sobre o episódio apelidado de “Feminist Sex Wars” (guerras feministas do sexo). Na ocasião, militantes como Andréa Dworkin e Catherine McKinnon se aliaram aos Temers da época e de seu país numa situação de pânico moral bem parecida com o que estamos vivendo nos últimos dias. Não é mera coincidência que essas estejam entre as principais autoras referenciadas (ou ainda, eu diria, reverenciadas) entre as radfems brasileiras. Nem que o pacote de Temer pareça ter sido desenhado por elas.
No meio de tudo isso temos o questionamento sobre a categoria mulher, e o papel revolucionário em potencial do conceito de gênero. Não é à toa que é justamente esse o conceito rechaçado pelas rads e pelos conservadores. O conceito exige, para que de fato explique algo, uma reflexão aprofundada sobre as estruturas sociais. Sobre classe, sobre parentesco, sobre cultura, sobre linguagem e, sobretudo, sobre as práticas concretas das pessoas em relação ao gênero – práticas essas que ao mesmo tempo são orientadas por normas sociais e as transformam em uma relação dialética. E, mesmo que as rads se reivindiquem “materialistas”, lhes falta é muita história e muita dialética na teoria e na prática. O resultado são essas monstruosidades, aberrações militantes, como o advogada do PSOL que em nome das mulheres é violenta com mulheres (de seu próprio partido, inclusive). Nisso se assemelham aos conservadores.
Em meu doutorado, investigo justamente a recepção do conceito de gênero no Brasil e na Argentina. Ou, como apelidei carinhosamente, a GRANDE TRETA FEMINISTA DA HISTÓRIA™. Não é à toa que Judith Butler começa seu Problemas de Gênero (uma obra bastante dialética) com a pergunta: a mulher é o sujeito político do feminismo? E, diferente do que pensam por aí (dá pra entender o por quê, já que o texto é bem difícil), ela conclui que não se trata de superficialmente adicionar identidades e expandir o sistema de gênero, mas sim de subverter as identidades. Tensionar esse sistema até que ele exploda. Nisso ela se parece com Marx (talvez pela boa leitura de Hegel que ambos fazem).
O que a militância T que é capaz de fazer análises estruturais tem feito é justamente isso. Tudo me leva à hipótese de que a travesti é o sujeito revolucionário potencial do século XXI. E ao fato de que a corrente do feminismo radical brasileiro não soma nada (muito pelo contrário, aliás) à nossa luta por uma sociedade sem classes e sem nenhum tipo de opressão e exploração. Só não vê quem se recusa a analisar objetivamente essa questão.
[em tempo, leiam os seguintes textos da Amanda Palha sobre as ações do movimento T, relação com rads e mais:
R4D1K4L: as distâncias entre o nome que se dá e o nome que se tem
Trans: tirando o debate da euforia estética e vazia]
[quem quiser, leia também um texto meu de 2014 sobre a grande treta feminista: