Por Beatriz P. Bagagli.
Conservadores e TERFs gringos inventaram que mulheres trans estariam atacando a Adele pelo fato dela ter dito que gosta muito de ser mulher ao receber um prêmio que havia mudado de nome para incluir na mesma categoria homens, mulheres e pessoas não binárias. Trata-se na realidade de um factoide que só poderia sair da cabeça desses grupos transfóbicos como uma forma deliberada de tentar retratar mulheres trans como “agressivas canceladoras de cantoras que dizem que gostam de ser mulheres”. Aqui explico o porquê.
Sim, uma pessoa ou outra pode ter se perguntado se Adele seria TERF ao dizer que gosta de ser mulher ao receber um prêmio que havia mudado de categoria para incluir homens. Isso pode de fato ocorrer porque sabemos como pessoas transfóbicas utilizam de mecanismos como implícitos ou subentendidos para expressar suas opiniões transfóbicas sem serem diretamente responsabilizadas.
Isso não significa, como grande parte da mídia gringa quis parecer, que houve um “debate sobre Adele ter sido transfóbica” ou que as mulheres trans tenham realmente achado que Adele é TERF unicamente por causa disso.
Para quem precisar que fique explícito: Adele não é transfóbica nem se torna uma TERF por dizer que gosta de ser mulher. Dizer o que ela disse naquele contexto não permite realmente concluir isso. Ela só fez um comentário corriqueiro sobre a mudança da categoria do prêmio. Ela não está defendendo que mulheres trans não são mulheres ou qualquer coisa do tipo.
Esse caso mostra, por outro lado, muito como o discurso TERF projeta o que pessoas trans são frente ao público como tentativa de gerar um efeito de denúncia – “olha como transativistas são misóginos, eles não deixam que mulheres digam que gostam de ser mulheres sem que as acusem de serem TERFs!”.
Há a tentativa aqui de partir das controvérsias sobre o tal politicamente correto e uma tentativa de estigmatizar as demandas de reconhecimento das nossas identidades. Isso acontece porque TERFs frequentemente querem acusar mulheres trans de autoritárias por supostamente censurarem as TERFs a respeito de como elas deveriam usar a palavra mulher, por exemplo. É bastante comum que TERFs se vitimizem quando são chamadas de TERFs – como se fosse autoritário chamar uma coisa pelo seu nome ou como se TERF fosse um insulto.
Acontece que a lógica na verdade é muito simples: quando mulheres trans demandam serem reconhecidas como mulheres elas apenas estão reivindicando esse fato óbvio. O que TERFs querem dar sempre a entender é que quando uma mulher trans é reconhecida como mulher, uma mulher cis deixaria de ser vista como uma mulher “verdadeira”. Obviamente uma falácia, e eu acredito, infelizmente, que nós vamos ter que ficar explicando o óbvio para toda a eternidade. TERF não é um insulto, é apenas um acrônimo em inglês para Trans Exclusionary Radical Feminist.
A VEJA importou essa invenção gringa, alegando que Adele teria sido chamada de TERF mas não há nenhuma fonte para isso. Por que a VEJA acusa o movimento trans de algo que nem ao menos aconteceu, sem fornecer fontes? Por que a VEJA não fez o mínimo trabalho para se dar conta que tudo isso não passou de um factoide criado deliberadamente para tentar demonizar pessoas trans como ativistas autoritárias e sem noção?
A resposta parece ser porque a nossa mídia, como no caso da BBC News Brasil a respeito da tradução acrítica e sem a menor contextualização da matéria de Caroline Lowbridge que retrata mulheres trans lésbicas como predadoras sexuais, está em uma tendência crescente de importar o que há de pior na mídia gringa a respeito de questões trans sem nenhum contraponto.
Por que profissionais de jornalismo não checam minimamente com as próprias pessoas trans antes de publicar inverdades a respeito de nós?