Hoje escrevi uma manifestação online para a ouvidoria da Unicamp e vou postá-la aqui. Também vou colocar a mensagem recebida pelo site sobre o número do protocolo para que todxs possam acessar o processo. Surpreendentemente, recebi uma ligação da ouvidoria poucas horas depois, conversei com uma atendente que me pareceu bastante empática. No entanto, não são apenas palavras reconfortantes que precisamos, mas sim de medidas concretas. Não vamos deixar passar batido o fato de que, apesar dos inúmeros decretos e portarias sobre o nome social, insistem em relegar um direito humano a uma completa negligência. Vamos repudiar qualquer política cishigienista que impede pessoas trans* de terem sua identidade reconhecida, como visto nesta lamentável resolução.
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Venho por meio deste saber como anda meu pedido de uso de nome social na Unicamp. Meu nome social é Beatriz Pagliarini Bagagli e precisa ser atualizado o mais depressa possível. Ano passado, conversei com o advogado do SAE e ele me disse que o processo seria simples, inclusive me deu grandes esperanças que o sistema já iria aceitar meu nome social no semestre seguinte. No entanto, passou o ano e nenhuma mudança foi feita. Ano passado, dia 09/11/2012, enviei um pedido oficial cujo Protocolo/Ano é 22302/2012 para a DAC através das “solicitações diversas”. Surpreendentemente até hoje não obtive resposta. Peço encarecidamente que este protocolo seja atenciosamente observado e atendido.
É inaceitável que a Unicamp não se apresse para acatar meu pedido, visto que é um direito humano básico à identidade e não pode ser negociável e protelado tampouco pode estar sujeito a questões como alta ou baixa demanda. Igualmente execrável é uma aparente negligência por parte da Unicamp que através desta atitude continua reproduzindo uma política higienista que relega a pessoas transgêneras (travestis e transexuais) a morte simbólica e exclusão. Ao reiterar que a Universidade não é um espaço inclusivo e seguro para essas pessoas a Unicamp assume uma política institucionalmente transfóbica. Pessoas transgêneras precisam ter seus nomes sociais legitimados institucionalmente, caso contrário, estarão sendo marginalizadas. A falta da inserção do nome social gera consequências práticas: expõe os alunos transgêneros a possível humilhação e extrema ansiedade na hora de se engajarem em procedimentos burocráticos aparentemente banais e naturalizados para pessoas cisgêneras (aquelas que não são transgêneras) tais como lista de presença, chamadas, provas, trabalhos, etc. Visto essa demanda, inúmeras portarias resguardam o direito das pessoas transgêneras, tais como:
i) o decreto estadual nº55. 588, de 17 de março de 2010, que dispõe sobre o tratamento de pessoas transexuais e travestis nos órgãos públicos do Estado de São Paulo e dá providências correlatas;
ii) o decreto municipal nº17.620, de 18 de junho de 2012, que dispõe sobre a inclusão e uso do nome social de pessoas travestis e transexuais nos registros municipais de Campinas relativos a serviços públicos prestados no âmbito da administração direta e indireta;
iii) A portaria federal nº233, de 18 de maio de 2010, que assegura no âmbito da administração pública federal direta o uso do nome social adotado por travestis e transexuais.
Assim, tenho meus direitos a uso do nome social garantidos pelo Estado e caso não seja atualizado até o próximo semestre (tendo em vista que a cada novo semestre terei aulas com novos professores, me expondo novamente a situações vexatórias) terei que encontrar outros meios jurídicos cabíveis para que meus direitos sejam preservados.
Muito obrigada pela atenção.
Protocolo da Manifestação |
Prezado(a) Beatriz Pagliarini Bagagli, Agradecemos o seu contato e informamos que sua manifestação foi protocolada sob nº 485475 em 12/03/2013.Sua manifestação será analisada e seu trâmite (ou andamento) poderá ser acompanhado pela internet no link abaixo: http://www.ouvidoria.sp.gov.br/Acompanhamento.aspx |
Atenciosamente, |
Ouvidoria Universidade Estadual de Campinas – Unicamp |
Fone: (19) 3521-4484 |
[Atualização – 13/04/2013]
Olá pessoal, venho aqui publicar meu texto que vai sair no jornal do CACH deste mês sobre a situação do nome social na Unicamp. Vou mandar o texto também para a ouvidoria, acho importante que elxs ouçam as pessoas trans*, afinal de contas, é necessário que as pessoas que estão na posição de poder ouçam as críticas para que (assim espero) implementem o nome social de forma menos cissexista e mais humanizada. Sim, conseguimos um avanço, parcial. Isso não significa que iremos nos abster de um posicionamento crítico.
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O uso do nome social na Unicamp foi implementado. Nome social se refere ao nome das pessoas transgêneras (incluindo aqui travestis e transexuais), sendo ele não coincidente com seu registro civil. O reconhecimento do nome com a qual as pessoas transgêneras se identificam é essencial para que essas pessoas não sofram violências transfóbica tais como a deslegitimação das suas identidades, trazendo implicações profundas em suas integridades psíquicas e intelectuais e constrangimento na hora de se engajarem em procedimentos burocráticos que envolvam documentos. Parte do problema na Unicamp foi solucionada no que se referem aos documentos internos, tais como listas de chamada. Nesses documentos, consta-se apenas o nome do qual as pessoas se identificam, no caso das pessoas trans*, o nome social sem qualquer menção ao registro civil. O mesmo não se pode dizer dos “documentos externos”, os quais se entendem que o registro civil deve ser explicitamente mencionado ao lado do nome “social”.
Não é porque conseguimos uma gambiarra de direito que não vamos ter um posicionamento crítico dessa política paliativa do nome social. Tais políticas não são exclusivas da Unicamp. As instituições do Estado se veem “obrigadas” a incluírem o nome social das pessoas transgêneras, porém, pouco se importam com a forma que o fazem. Como não existe nenhuma lei que garanta a efetiva mudança do nome civil, essas políticas só mostram o quanto são paliativas, já que o nome social é visto apenas como um apelido, afinal, nos documentos oficiais o que vale continua sendo o nome civil. Não apenas paliativas, mas se tornam estigmatizadoras devido à forma com que são colocadas em prática. Pessoas transgêneras passam a serem pessoas com dois nomes: institui-se o apartheid trans*.
Nesse caso, não apenas elementos discursivos significam: a própria diagramação, o posicionamento em que os campos “nome social”, “nome civil” se configuram nos documentos oficiais tem significado, pois revelam uma hierarquia entre os campos e consequente estigmatização das pessoas transgêneras. Em meus dados cadastrais, consta o seguinte nome para documentação externa: Meu registro civil ao lado do meu nome “social”. Vamos supor um nome: a pessoa trans* se chama Priscila, porém seu registro civil é Dimas. Seu nome na documentação externa ficaria “Dimas Priscila”. Isto, além de ser ridículo, é inaceitável.
Venho expressar meu repúdio contra a própria lei estadual que foi utilizada para endossar o uso do nome social na Unicamp e a forma como a instituição se fez “obrigada” a aceitá-la e implementá-la dessa forma acrítica, fazendo nenhum esforço para executá-la de forma diferente da proposta no decreto. O nome civil não representa estas pessoas, logo, a insistência em mencioná-lo é uma forma de agressão simbólica. A solução efetiva para a situação dos documentos das pessoas transgêneras é a alteração oficial dos documentos, porém, atualmente existem muitos entraves que dificultam a retificação. Nesse sentido é urgente a aprovação da lei de identidade de gênero (PLC 5002-2013 denominada “Lei João W. Nery”). Enquanto não é sancionada, pessoas transgêneras precisam dispor do máximo de “provas” cissexistas possíveis (tais como laudos pseudocientíficos de profissionais “psi” e médicos, fotos, etc) que validem suas identidades. Nesse sentido, pessoas trans* que estudam na Unicamp podem pedir para que seus documentos externos venham com o nome “social”, para que o volume de provas a ser apresentado ao juiz seja capaz de aumentar a chance de ele ser benevolente ao ponto de realizar a retificação, um direito que deveria ser inalienável. Essa estratégia, não significa, no entanto, que estamos anuentes a esta forma de colocar o nome social nos documentos externos.
Se é “necessário” que o nome civil conste nos documentos externo (sendo esse fato em si já bastante questionável) acredito que existem n formas de constá-lo. O nome social da pessoa trans* não deve estar em uma posição não simétrica com o nome social das pessoas cisgêneras. Sim, vou propor um deslocamento de sentido: pessoas cisgêneras também tem um nome social. A diferença está no fato que o nome social das pessoas cisgêneras é legitimado institucionalmente, ou seja, ele coincide com o seu registro civil. Então, se os nomes sociais das pessoas, sejam trans* ou cis, não diferem em natureza, não devem diferir na forma que são mencionadas em documentos oficiais. Repudio qualquer forma de entender o termo “nome social” como exclusividade de pessoas transgêneras. Não precisamos ser exotificadxs e marginalizadxs pela cisnorma. Simetria para nome de pessoas trans* e cis é fundamental para a dignidade das pessoas trans*. Repensar formas de categorizarmos o mundo e os conceitos como o próprio nome aqui se tornam muito importantes para que pessoas trans* não sejam empurradas para uma lógica desumanizadora e para que as práticas que ironicamente visam protegê-las não se tornem mais uma forma de opressão.
Comentários
3 respostas para “Denúncia acerca do nome social entregue à ouvidoria da Unicamp”
Quando eu tentei falar com o advogado do SAE, ele foi BEM menos otimista a ponto de eu praticamente desistir de ficar olhando na burocracia e apelar pra mandar email pra cada professor(a) (e evitar materias om teleduc) … mas boa sorte =D
Curioso Platy… eu conversei com o Alexandre Fagiani de Oliveira (advogado do SAE). Que bom saber que outras pessoas também buscaram essa demanda. Amanhã (14/03) haverá uma reunião do coletivo “Pra fazer diferente” no saguão do PB da Unicamp que irá discutir a transfobia e a questão do nome social. Se quiser entrar em contato comigo e tiver facebook, pode me adicionar 🙂
Eu me solidarizo contigo e com todas as pessoas que sofrem este horrível constrangimento. Precisamos levar este debate para as redes de educação básica do país no sentido de desconstruir esta forma autoritária de olhar para os seres humanos.