“Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”. Se vocês querem provar a tese de que a “transexualidade é a nova cura gay” vocês precisam mostrar evidências extraordinárias. Se a transexualidade realmente fosse a “nova cura gay” esperaríamos observar um aumento da aceitação social de pessoas trans concomitantemente com o aumento da rejeição social a pessoas cis homossexuais; esperaríamos observar um aumento no número de pessoas trans concomitantemente com a diminuição de pessoas homossexuais cis.
Só daí poderíamos, frente a esses dados, fazermos um pulo do gato, passando da mera correlação (número maior de pessoas trans e número menor de pessoas homossexuais cis) a uma relação de causalidade (a rejeição de homossexuais cis causa o aumento do número de pessoas trans). Ninguém nunca conseguiu fornecer qualquer evidência que realmente comprovasse essa hipótese no mundo real, porque os números que temos da esmagadora maioria dos países mostram que a aceitação social das pessoas trans anda junto com a aceitação social das pessoas homossexuais cis. Vale ressaltar que o estigma transfóbico está fortemente correlacionado ao estigma homofóbico na maioria das sociedades, inclusive a brasileira. Além disto, temos inúmeras evidências que mostram também que a rejeição social das pessoas trans costuma ser maior do que contra as pessoas homossexuais cis.
As radfem alegam que existiriam sim essas evidências, mas elas não fornecem evidências realmente sólidas pra corroborar a tese extraordinária da “transexualidade é a cura gay“. Vamos ao caso do Glenn Greenwald. Esse jornalista premiado acredita que o fato de existirem 0,4% mais pessoas trans do que lésbicas entre a geração Z e millennial seria uma suposta evidência que provaria que lésbicas seriam “encorajadas” a se identificarem como trans. Dizer que essas lésbicas foram “encorajadas” a se identificarem como trans pressupõe que elas permaneceriam sendo “verdadeiramente” lésbicas cisgêneras caso não fossem supostamente “encorajadas” a serem trans.
Acontece que o fato de existirem 0,4% mais pessoas trans do que lésbicas entre as novas gerações não prova que a população lésbica diminuiu em razão de ter supostamente passado a se identificar como trans. Esses dados mostram apenas que o número de pessoas trans cresceu mais do que o número de lésbicas nas gerações mais novas. A porcentagem de pessoas que se identificam como lésbicas também cresceu entre a geração mais nova, só não cresceu na mesma velocidade da população trans. O fato da população trans ter crescido numa velocidade mais alta do que o crescimento da população lésbica nas últimas gerações parece para você uma evidência sólida que possa provar que o aumento de pessoas trans decorre da diminuição da população lésbica? Para mim, definitivamente não serve como evidência.
Agora, vamos entrar numa questão mais qualitativa. A ideia de que pessoas trans são uma espécie de “digievolução” de homossexuais cisgêneros é tácita na hipótese da “transexualidade é a nova cura gay”. Acontece que essa compreensão a respeito da sexualidade e identidade de gênero é equivocada, pois ela ignora e deslegitima a sexualidade das pessoas trans. O fato de mais pessoas passarem a se identificar como trans não apenas não é uma evidência forte para provar que elas teriam sido de alguma outra forma homossexuais cis, eu diria também que nem ao menos constitui como uma evidência, pra início de conversa. Isso porque a identidade de gênero transgênera não é a negação ou o recalcamento de uma homossexualidade cisgênera. O aumento do número de pessoas que se identificam como trans, ao contrário, é evidência forte de que o estigma social contra a população trans esteja diminuindo.
Percebam que para Greenwald o fato de existirem entre as gerações mais velhas mais pessoas homossexuais cis do que pessoas trans não parece apontar para a hipótese de que a “homossexualidade cis é a velha cura trans”. Por que então para o jornalista parece crível acreditar que o fato de existirem mais pessoas trans do que homossexuais cis entre as novas gerações constituiria uma evidência para provar que a “transexualidade é a nova cura gay”?
Fiquei surpresa em saber que segundo uma pesquisa no Reino Unido, apenas 15 ou 16% das pessoas trans se identificam como heterossexuais. Esse número me parece ser muito menor do que entre as pessoas cis. Então, se você “torce” mesmo indiretamente para que a população não heterossexual cresça, você deveria indiretamente também “torcer” para que mais pessoas passem a se identificar como trans ao invés de cis.
Comentários
Uma resposta para “Glenn Greenwald, a transexualidade não é a nova cura gay: alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”
Amei o texto. Perfeita problematização, gostaria de agregar algo a sua reflexão, mas infelizmente eu só tenho a receber conhecimento. <3