Identidades trans como protagonista social

Hísis Rangel – Primeira mulher transgenêro graduanda em licenciatura de ciências sociais pela Universidade Federal Fluminense de Campos dos Goytacazes, militante do coletivo LGBTQI+ Gaytacazes, fundadora do Coletivo Trans Goytacá e também militante do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) –

Uma identidade trans se constrói quando um sujeito não atua com seu desempenho de gênero destinado a sua genitália determinada pela sociedade. Dessa maneira, abrimos margens para uma exclusão social em massa de pessoas, por sua conduta social, que é relacionado ao meio em que elas vivem, assim como na comunidade, na família e na vida.

Conduzidos à marginalidade e à inadmissão como cidadãos, pessoas que se identificam como transexuais/transgenêros são impossibilitadas de ter uma vida comum como um sujeito que não se constrói com a identidade trans, mas sim, a identidade cisgênero (aquela identidade onde o sujeito se constrói com o desempenho de gênero destinado a sua genitália). O sujeito que se identifica como trans, é excluído e expulso das redes de relações sociais que se encontram nas instituições básicas do convívio social: a família, a escola, a igreja e o estado. Como definidas pelo sociólogo alemão Nobert Elias do século XIX, em sua obra “Introdução à Sociologia”.

A primeira é a família, que rejeita seus filhos, pois ainda vive em um modelo patriarcal em que qualquer aparência de promiscuidade acarreta inúmeras consequências. Logo depois, o ensino que ainda propaga modelos ensinados pela família patriarcal, prejudicando o indivíduo em suas formações escolares por causa de perseguições, agressões verbais ou físicas, intencionais ou não, mas que também acarreta inúmeras consequências, tais como medo de ir à escola, aceitação das agressões acreditando estar errado, abandono dos estudos ou até suicídio

Após essas duas instituições citadas vem à igreja. Até hoje, católicos e protestantes, que são a maioria religiosa identificada pelo censo (IBGE, 2010) continuam perpetuando um modelo de conduta opressor, mantendo qualquer sexualidade que foge do padrão cisgênero como gesto proibido condenado ao pecado, e as expressões de gênero ditas únicas, de Adão e Eva.

Após a igreja, vem à última instituição, que é o Estado, que ainda é conservador, e se mostra através de um modelo cristão e patriarcal proibindo pessoas trans ao reconhecimento enquanto cidadãs, negando direitos básicos como reconhecimento ao nome social desejado pelo individuo. Esses indivíduos, que tem todo o seu protagonismo social marcado pela ignorância e falta de compreensão das pessoas ao seu redor, vivem uma vida reprimida e atordoada, que faz com muitas vezes tirem a própria vida por acharem que não são dignas à existência. Crescem ouvindo piadas sobre sua performance como conduta de desvio do normal, também muitas vezes sofrendo agressões de indivíduos que se dão ao direito de julgar a conduta do outro, seja amigo, conhecido ou até um próprio familiar.

No cenário atual brasileiro, esses indivíduos através da mídia aparecem sempre em casos de vulnerabilidade social como o alto índice de morte, desemprego, baixa renda, sem casas e etc. Porém, têm conquistado espaços nunca imaginados pela população em geral, como o caso da Tifanny Abreu, que é a primeira transexual a entrar na superliga feminina de vôlei, ou como o caso da Leia T que é uma modelo e estilista trans brasileira conhecida internacionalmente, ou como o Thammy Miranda, que também se identifica como trans é ator, cantor e ex-modelo brasileiro, entre outros exemplos.

Embora não haja muitas estatísticas sobre (des) emprego entre esse público alguns dados localizados são significativos. Segundo a Associação das Travestis e Transexuais do Triângulo Mineiro (Triângulo Trans), apenas 5% das travestis e transexuais de Uberlândia estão no mercado de trabalho dito formal. As demais, 95%, estão na prostituição. Também apresentado pela ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais, segundo a qual 90% das travestis e transexuais estão se prostituindo no Brasil. Mesmo querendo estar em um emprego formal com horário de trabalho, rotina e carteira assinada o preconceito e a ignorância ficam evidentes quando se candidatam a uma vaga. Nesse contexto de vulnerabilidade, a militante feminista e ativista trans brasileira Daniela Andrade, que também é analista de sistemas, junto com mais dois companheiros criou o primeiro portal de empregabilidade trans no Brasil: o site Transempregos (http://www.transempregos.com.br/) com a finalidade de aproximar a população trans do mercado de trabalho formal. Em 2013, preocupados com a realidade desses cidadãos e cidadãs no Brasil, Daniela Andrade, junto com seus dois companheiros, motivados pela crescente demanda de inciativas da sociedade civil e da responsabilidade social, criaram um projeto sem fins lucrativos. Sem ser uma agência de empregos, mas uma ponte entre empregadores e colaboradores (as) que acontece ali de forma espontânea. Assim nasceu o Transempregos, que hoje conta com resultados, apoiadores e parcerias que buscam a cada dia oportunizar a equidade dessa parcela da população que ainda é tão marginalizada.

Também com a intenção de socializar esses indivíduos nasceu em a Casa Nem que se localiza no bairro da Lapa no Rio de Janeiro, que tem como intenção de ser um local que abriga transexuais, travestis e homossexuais em situação de risco social. A Casa Nem também conta com o projeto Prepara Nem que é um curso preparatório para o Enem voltado para o público trans. Lá também há outros cursos como costura ou cabeleireiro para aqueles (as) que não querem ingressar em uma universidade. Tanto a Casa Nem como o Projeto Nem foram fundados pela ativista Indianare Siqueira, que é prostituta e vereadora suplente do município do estado do Rio de Janeiro pelo partido PSOL.

Sendo assim, abrindo margens para uma inclusão desses indivíduos que se descobriram como corpos com identidades trans, grupos de ativistas vêm lutando incansavelmente para a ressocialização e incorporação desses indivíduos na sociedade. Hoje há um avanço claro na luta contra o conservadorismo. Ativistas em prol de pessoas trans seguem fazendo barulho e chamando atenção por onde passam, nessa lua pela cidadania plena.


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