Texto de Marcelo Caetano (publicado originalmente em 6 de fevereiro de 2015).
nada é tão simples quando se é uma pessoa trans; e quando eu digo nada, é tipo nada mesmo…
você quer viajar? ah, é só ir…
como faz com o documento? pra reservar um hotel? vai se hospedar num hostel que é mais barato? os quartos são divididos por gênero? ihhh, complicou! vai viajar de ônibus ou de avião? será que vão deixar eu embarcar? vamos de carona que é mais barato; e se o motorista descobrir que eu sou trans, será que vai ser de boa?
você quer estudar? é só correr atrás…
tem prova de seleção pra entrar? será que eu posso usar o nome social na prova? não?! tá, e durante o curso? vou passar 5 anos sendo chacota dos professores? mas é só um curso de inglês intensivo, um mês…só que na recepção ninguém sabe o que é nome social e esse documento não é seu. é meu sim! não é, não!
e se eu quiser viajar para estudar em outro país? ah, corre atrás, você consegue…
que pais? lá, é crime ser trans? não? mas e a transfobia? qual o risco de eu ser morto na rua e jogado numa vala num país que não é o meu? e o sistema de saúde? vou ter acesso à hormonização? quanto eu vou precisar pagar por isso? onde eu vou morar? no campus? os colegas vão aceitar minha identidade? preciso alugar um apartamento? vão aceitar a minha documentação, ou eu vou só parecer um imigrante ilegal muito burro que nem pra falsificar os documentos direito?
e se eu quiser me relacionar com alguém? ah, é só amar, o amor é livre…
mas será que ela vai ser de boa com o fato de eu ser trans? e a familia dela? e os amigos? o que será que eles falam de mim? nossa, será que os amigos dela sabem? e a familia? ela contou? eles descobriram como? na internet? e quando eu estiver muito bolado com a “besteira” de alguém ter errado meu nome, será que ela vai entender como isso é relevante?
e se eu sofrer um pequeno acidente no meio da rua? ah, a gente chama o samu…
será que vão respeitar meu nome? e se precisarem tirar minha camisa no meio da rua? e se eu estiver desmaiado e acordar numa enfermaria feminina? e se falarem meu nome muito alto na sala de exame?
nada é assim tão simples; depende sempre do olho que olha!