Nome social é direito!

Textos de Magô Tonhon e Viviane Vergueiro, respectivamente.

No dia 28 de abril de 2016, depois de se comprometer em receber lideranças do movimento social organizado da população de travestis transexuais a então Presidenta Dilma Roussef cumpriu o acordo que havia feito durante a Conferência Nacional de Direitos Humanos e assinou o Decreto nº 8.727/2016. O Decreto garante a travestis e transexuais que trabalham no serviço da administração pública federal (funcionários e também usuários de órgãos públicos, autarquias e empresas estatais federais) a utilização de nome social em crachás e documentos oficiais como atas e formulários por exemplo.

Decretos, resoluções, portarias e pareceres de conteúdo semelhante porém de outras instâncias de governos estaduais, municipais e também o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação por exemplo, já vinham sendo aprovados há pelo menos uma década antes deste aprovado por Dilma. A assinatura de Dilma Roussef acompanhou também a da então ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, Nilma Lino Gomes.

O processo do impeachment foi aprovado pelo Senado Federal afastando assim temporariamente a presidenta Dilma no dia 12 de maio de 2016 para que então pudesse ser julgada em até 180 dias.

O vice-presidente Michel Temer assumiu interinamente o cargo vago e em cinco dias anunciou inúmeros retrocessos em nome do ‘desenvolvimento’: extinguiu o Ministério do Desenvolvimento Agrário, extinguiu o Ministério das Mulheres, Igualdade Social e Direitos Humanos, extinguiu o Ministério da Cultura, nomeou como ministros homens brancos, ricos, todos senhores que representam a burguesia agrária, comercial, industrial, imobiliária e financeira.

Dentre os 22 ministros, sobre 16 pesam fortes evidências de muitos crimes, 75% são investigados na Lava Jato. Sem contar os retrocessos na saúde e educação, além de cortes no Bolsa-Família e outros  projetos e importantes políticas sociais que estavam em andamento.

O vice-presidente conta com grande apoio dentre deputados federais e senadores da República. Na Câmara dos Deputados Federal no dia 18 de maio de 2016, um grupo de 29 deputados de diversos partidos políticos apresentou um Projeto de Decreto Legislativo (PDC) de Sustação de Atos Normativos do Poder Executivo de nº 396/2016 que tem como objetivo anular os efeitos do decreto assinado pela presidenta afastada Dilma Rousseff. A justificativa do PDC nº 396/2016 apresenta dois motivos. De acordo com os deputados:

1- a Presidenta Dilma foi contra suas atribuições de ser fiel às execuções das leis e tomou para si um papel que de acordo com a Constituição é do Congresso: o de legislar, criar leis.

2- como o Decreto nº 8.727/2016 diz respeito a ‘alteração de nomes’, de acordo com a Constituição deve ser matéria de ‘lei federal e não decreto’.

Importante destacar que o Decreto aprovado por Dilma NÃO altera documentos pessoais de ninguém, apenas se preocupa com o respeito à identidade de cada pessoa trans e travesti (nestes aspectos jurídico e político, vale a pena a leitura do artigo de Luisa Stern, no site Sul 21)

Os deputados com este pedido de anulação pedem para si a responsabilidade de criar leis que tenham a mesma finalidade que o Decreto assinado pela Presidenta: garantir o uso do nome social para a população de travestis e transexuais. É notória a preocupação destes deputados com o método que a então Presidenta utilizou para aprovar e não com sua finalidade: garantir o direito mínimo de cidadania à esta população por meio da possibilidade de usar o nome social. Assim, fica evidente que por trás de uma aparente preocupação ‘meramente burocrática’ sobre qual Poder (Legislativo ou Executivo) teria atribuição para tratar o tema, existe a inegável transfobia institucionalizada representada nesta tentativa de barrar um movimento que tem por finalidade garantir respeito à estas pessoas cujo nome de registro não condiz com a identidade que se reconhecem e vivem. Um nome demarca um lugar para o nomeado. Impedir o direito das pessoas trans e travestis de ter um nome adequado com seu reconhecimento de gênero é violar um direito humano fundamental, e o próprio direito de existência destas pessoas.

A Presidenta no uso de suas atribuições decretou esta segurança diante da incapacidade do Congresso em criar e discutir leis semelhantes. A prova disto é que no dia 20 de fevereiro de 2013 foi apresentado o Projeto de Lei de Identidade de Gênero (PL João W. Nery) nº 5002/2013 que até hoje não foi aprovado. O projeto propõe que toda pessoa trans e travesti tem direito à mudança de nome e ‘sexo’ nos registros de nascimento e demais documentos pessoais sem necessidade de recorrer à Justiça. O projeto passou no mês de maio de 2016 pela Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Se for aprovada, a Lei João W. Nery vai significar o começo do fim dos problemas enfrentados pela população trans e travesti quando precisam utilizar um documento pessoal que não está de acordo com sua real identidade. Além disso ele também vai fortalecer o debate e avanços em outras questões de acesso à outros direitos básicos como saúde integral e educação.

Um grupo de travestis e transexuais de várias partes do Brasil, considerando o momento político e as atuais ameaças aos poucos direitos conquistados, se reuniram e criaram a campanha Nome Social É Direito nas redes sociais. A página no Facebook conseguiu em dois dias, a adesão de quase 15 mil pessoas. Foram mais de 50 mil menções à campanha, 23 mil visualizações da página, com alcance à mais de meio milhão de pessoas alcançadas. A campanha também contou com o apoio de muitos artistas e até mesmo de um deputado federal que divulgou a página em demonstração de apoio. Mais de 200 pessoas enviaram sua foto com o nome da campanha Nome Social É Direito. Desde quando foi lançada no dia 20 de maio de 2016 a página já recebeu cerca de 700 mensagens.

Participe e apoie esta causa você também. Você não precisa ser trans nem travesti para defender mais direitos humanos para nossa população.

-Página no face: https://www.facebook.com/nomesocialedireito
-Filtro pra foto de perfil: http://twibbon.com/Support/nomesocialédireito

-Tire uma foto segurando uma plaquinha com os dizeres “Nome Social É Direito” e poste nas suas redes sociais com a hashtag #NomeSocialÉDireito.

-Se você for transexual ou travesti, manda a foto pra gente também! Envie por inbox que postamos na página.

-Divulgue nossas postagens, grave vídeos falando sobre, fale com os amigos: toda forma de divulgação dessa ideia já adiciona ao movimento.

Não vamos permitir que removam nossos direitos! #NomeSocialÉDireito SIM!

***

Tia Eron, deputada federal pelo PRB da Bahia e defensora do golpe que se ilegitima, juntamente a outras pessoas (gente do naipe do já ridículo Marcos Feliciano, entre outras) pretende derrubar o decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016, assinado pela presidenta Dilma Rousseff nos últimos dias de seu governo suspenso, e que “dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais no âmbito da administração pública federal”.

Cata o voto da Tia:

Voto de Tia Eron sobre impeachment

Quero, aqui, fazer um brevíssimo comentário sobre princípios: mais que pensar se o projeto para vetar o decreto é fundamentado em um eventual erro de tramitação, pretendo pensá-lo sob a perspectiva de direitos que estão sendo atacados em um contexto ilegítimo de poder.

Diz o projeto: “Quando muito, a edição de decretos por parte do Poder Executivo, nos moldes do inciso IV do referido art. 84 da Constituição, se faz para a “fiel execução” das leis.”

Qualquer pessoa trans e travesti sabe que é extremamente difícil o cumprimento de normas de nome social em praticamente todos espaços, do SUS às poucas universidades e instituições públicas de ensino que o normatizaram.

Ou seja: o decreto presidencial, dentro da elaboradíssima argumentação do projeto assinado por Tia Eron, estaria plenamente justificado, considerando-se a inoperância de praticamente todas as normas de nome social Brasil afora. O decreto agrega força para a ‘fiel execução’ de normas já estabelecidas — a do nome social no SUS data de 2009, por exemplo.

Neste sentido:

– uma coisa seria pensarmos a revogação deste insuficiente decreto assinado pela presidenta para fazer tramitar devidamente a Lei de Identidade de Gênero brasileira, que permite a alteração dos nomes e gêneros de pessoas trans e travestis em documentos oficiais sem passar por processos violentos e constrangedores no cistema judicial;

– uma coisa seria pensarmos a revogação do decreto para também incluirmos o direito de pessoas trans a utilizarem espaços divididos por gênero (como banheiros, vestiários e cistemas prisionais) de acordo com suas identidades de gênero;

– e outra coisa completamente diferente é que uma golpista de nome social Tia Eron, pessoa que evidentemente não representa as múltiplas negritudes e mulheres que compõem esta imensa e rexistente Bahia e Brasil, seja uma das apoiadoras da retirada deste direito sempre tão precário e desrespeitado ao nome social de pessoas trans e travestis.

Ideologia de gênero é negar a existência de autoafirmações trans e travestis em nomes, expressões de gênero e identidades de gênero. Ideologia de gênero são as catequizações e evangelizações violentas cometidas por séculos de colonização e colonialidade.

Esta ironia, uma Tia Eron contra os nomes sociais, é um verdadeiro tapa na cara por parte do cistema, e expressão da tiração de onda fascista e conservadora: para os golpistas, este é um direito tão ridículo que se torna permitido ostentar que até o nome social é privilégio de pessoas cisgêneras. Uma contradição cistêmica entre tantas que golpeiam diariamente.

Nome social por nome social, fiquemos com Malcolm X, e enfrentemos estes absurdos coloniais por todos meios necessários.

Estejam conosco para a campanha “Nome social é direito”, construída coletivamente.


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