Por Íka Eloah.
a passabilidade te dá confiança, isso não é um privilégio, isso te reduz danos, isso te faz explorar lugares que antes eram impossíveis no seu corpo em inicio de transição hormonal ou num corpo onde a leitura do fator trans na sua vida seja mais nítido para o mundo binário.
passabilidade também é, ainda, só um conceito, ela se traduz muito fluidamente, você sente tudo isso na transição. No meu caso, travesti, o mundo começa a dialogar com você de outro jeito, do traveco você começa a ser observada constantemente, você não passa despercebida para os olhares abusivos, você vai virando mais uma potencial vítima de abuso sexual, assédio etc. E não vem só o assédio, você começa a perceber que agora precisa se esforçar muito mais pra te ouvirem, você descobre que agora vai precisar de mais recursos pra ser levada a sério e isso só desgasta seu emocional.
mas falando de “privilégios” que, pra mim, é uma palavra que não combina com passabilidade, é possível hackear esses espaços de maneira ~saudável~, mesmo que isso só influencie na sua realidade, continua sendo válido e você não precisa reforçar nenhuma lógica opressora, aliás, você vai perceber que essa história de reforçar é bem diferente dinamicamente falando, você é só um indivíduo, não tem esse poder todo, sinto muito.
explore esses espaços e se eles puderem suprir suas necessidades que, muitas vezes, não são supridas pela falta de emprego, acesso à saúde, saúde mental, continue explorando-os. Muitas vezes as estratégias são escolhidas por necessidade, não por poder de decidir. Você vai ter que se submeter a muitas coisas até ter uma ascensão de opções e possibilidades (se você não morrer logo), antes disso você precisa decidir qual vai ser o corre da semana pra conseguir comer e ter grana, entendeu?
também não caia nessa bobagem de que dinheiro não é tudo.
dinheiro só não é tudo quando ele já te deu tudo que você precisa, quando você já tem sua casa, sua comida, seu plano de saúde etc, antes disso você pode namorar, transar, dar rolê, ter amigos, mas sem dinheiro você morre, simples.
não deixe de aceitar ajuda se for dinheiro (se a ajuda vier de outro jeito você analisa se precisa mesmo ou não, às vezes a tal ajuda é só mais problema).
isso não deixa de ser redistribuição de renda.
orgulho não paga boletos.
quando alguém te apontar que você busca privilégio porque quer se encaixar num binarismo, num padrão, você só precisa dizer uma coisa: “cuida da sua vida”
isso é só mais um julgamento precário de informação e carente de empatia.
bom dia!
Imagem concedida pela autora.