Notícias falsas e transfobia

Por Lara Werner.

O que o meu feminismo tem a ver com o terrorismo transfóbico (era: caracas, de novo notícia falsa?)

Hoje eu não gastei muito tempo com o FB – talvez o tempo equivalente a fumar alguns cigarros, se eu fumasse… cigarros. Mas a lógica é a mesma: você tá trabalhando, daí faz uma pausa para dar uma zapeada, oxigenar um pouco e colocar algumas idéias no lugar, saber como anda a vida alheia… e vi, mais de uma vez, o compartilhamento de um link sobre uma suposta morte de uma lutadora após uma competição com uma mulher trans. E a galera, chocada…

Existe de tudo um pouco na vida: coincidência, acaso, destino. Neste caso, isso não é por acaso. Ontem foi dia da visibilidade trans, essas efemérides necessárias para desacomodar e não achar que o mundo tal como está é “normal”, como se não existisse a barbárie lá fora. Pois bem, no dia seguinte é veiculada a notícia, com o seguinte título “Lutadora que enfrentou adversária trans morre neste domingo”.

Primeiro ponto: qualquer pessoa morrer em uma situação dessas já seria um absurdo (eu já acho absurdo um esporte desses), mas a colocação “adversária trans” já denuncia a que veio a suposta notícia – promover terrorismo transfóbico, e nada mais. No dia seguinte ao dia em se denuncia ser este o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo.

E a pergunta: esse tipo de notícia – a morte de uma lutadora – caso fosse uma competição entre mulheres cisgêneras, seria veiculada? E se fosse veiculada, provocaria que tipo de discussão? E que tipo de reação?

Ainda bem que tem gente no mundo que abraça certas causas, e uma delas é investigar notícias falsas, seja pelo bizarro implícito ou pelo desserviço que geram, e escreve o autor do site: “A primeira coisa que chama a atenção nessa notícia é que ela só se espalhou aqui no Brasil e (coincidentemente) apenas em sites especializados em espalhar fake news! Nem no país onde essa morte teria acontecido há postagens a respeito.”

Então, não existem coincidências, não nesse caso. Uma notícia como essa se espalhar no país que mais mata por transfobia, e ter sua disseminação tão meticulosamente planejada (pois não foi um site, mas vários), só me leva a concluir o quão perversa é a propaganda transfóbica, e o quanto é ainda mais perverso o sistema que faz tanta questão de sustentar a cisnormatividade – o cistema, como se diz.

A prerrogativa da violência como forma de dominação é própria do patriarcado, logo, ou estamos falando do mesmo problema, ou estamos falando de questões análogas, de paralelismos que, por dedução, implica que tenhamos posicionamentos condignos.

Oras, eu sou feminista, e dentre os questionamentos que aponto deste lugar, há aquele que cobra dos homens o enfrentamento e o diálogo com seus pares, a partir do lugar de um privilégio construído socialmente (e não uma condição ontológica), para a desconstrução de certos padrões comportamentais que corroboram na manutenção desse sistema de castas chamado gênero. E eu sei que eu, mulher branca e cis, não estou na base dele.

Todo esse preâmbulo para dizer: amigas e colegas, prestem atenção. É na nossa falha perceptiva que a barbárie se instala. Se a cisnormatividade não é uma estratégia do patriarcado, é gêmeo desse sistema, e está igualmente implicada na manutenção da velha política sexual e de guerra. De morte.

Uma vida menos ordinária é, no mínimo, uma vida coerente consigo mesma.


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