Por Helena Vieira. Publicado originalmente em 14 de outubro de 2017.
O caso David Reimer: John Money, ideologia de gênero e medicina.
No mês passado, em uma formação que eu dava a professores do Estado, um professor me interpelou sobre o fundamento científico dos estudos de gênero. Em dado momento da discussão, seguindo a cartilha fundamentalista sobre “ideologia de gênero” ele fez referência ao Dr. John Money e ao caso David Reimer.
Eu já conhecia o caso e as proposições de Money, contudo isso não se tornou o tema da conversa. Não era esse o objetivo daquela formação e eu não tinha pretensão de permitir que o espaço fosse tumultuado com obscurantismo.
Percebi, depois, que o caso Reimer é, frequentemente, usado como exemplo do que quer a “ideologia de gênero”. Procurei sobre textos acerca do caso Reimer, sobre vídeos e nada, todos, de alguma forma conectavam o caso Reimer a “ideologia de gênero”, sempre com expansões de sentido, tomando o caso de David como aplicável à transexuais e à pessoas intersexuais.
Pra quem não conhece a história de David Reimer, simplificadamente: Dois irmãos gêmeos foram circuncidados, um deles, Bruce Reimer, no processo seu pênis foi queimado e destruído. Os pais, em desespero, procuram o médico especialista em pessoas intersexuais John Money, que propõe aos pais, operar Bruce para que se torne uma menina. Ele acredita que o gênero poderia ser “moldado” até determinada idade. Bruce, então, passou a se chamar Brenda, foi submetido a uma cirurgia para a construção de uma neovagina e criado como uma menina. Apresentou diversos conflitos durante a vida, até que seu pai revelou o processo pelo qual passou, de modo que, Brenda decidiu tornar a ser menino e assumir o nome de David. Suicidou-se em 2004, seu irmão gêmeo, em 2002.
A grande questão em torno do uso da história de David Reimer em uma campanha contra os direitos das pessoas LGBTs se sustenta em três mitos:
Mito 1: O conceito de gênero foi criado por um médico louco e mal intencionado (é assim que pintam o Money, dialogando com o imaginário coletivo do cientista maluco);
Mito 2: O conceito de gênero proposto por John Money é exatamente o mesmo utilizado pelos movimentos feministas e LGBTs atualmente;
Mito 3: Os movimentos feministas e LGBTs querem submeter, nas escolas, as crianças à mesma violência sofrida por Reimer.
O uso da história de David serve ainda para trazer ao argumento, que, em verdade, é religioso, o ar científico, exemplificado. É preciso fazer uma leitura mais atenta do que aconteceu com David Reimer.
Fato 1: Ao ter seu pênis queimado, sua família busca um médico, pensando, claramente ( como se vê no depoimento da mãe) em “Como ele vai conseguir ser um homem?”. Havia ali a ideia de que ele precisava de pênis para ser um homem, e que se não tinha pênis, logo, deveria ser outra coisa. A primeira imposição sobre Reimer é de caráter genital e normativo;
Fato 2: Money estava equivocado e junto com a família, decidiu impor a Reimer um gênero. O que os movimentos LGBT e feminista tem lutado é contra a imposição social do gênero. As pessoas precisam se reconhecer neste ou naquele gênero e não tê-los impostos pela sociedade, igreja ou por um médico. Se David quisesse ser uma mulher, a família deveria ter esperado por ele.
Fato 3: A violência imposta a David Reimer ainda hoje é imposta a pessoas intersexuais. Sem nenhuma proteção dos conservadores e das suas instituições.
Eles vendem uma interpretação do caso Reimer, através da mistificação dos movimentos LGBTs e feministas. Não andamos com bisturis por escolas. Ao contrário, defendemos que as pessoas sejam livres, inclusive, as que não se sentem confortáveis ou que são violentadas pelas normas e padrões de gênero produzidos no mundo ocidental.
David Reimer foi vítima de violência de gênero. Ponto.
Comentários
3 respostas para “O caso David Reimer: John Money, ideologia de gênero e medicina.”
oi, estava procurando mais informações sobre o caso citado nesse texto e achei informações diferentes desse texto com outros textos que vi. gostaria de saber suas fontes.
Oi Tiago, não sou a autora do texto, mas a fonte das informações do texto da Helena se baseiam na publicização deste caso mesmo. Quais seriam as informações diferentes? Eu recomendo a leitura do seguinte artigo, de autoria da Judith Butler, sobre o caso chamado “Doing Justice to Someone: Sex Reassignment and Allegories of Transsexuality”.
oi beatriz obrigado pelo comentário mas procurando no google sobre o que sugeriu, achei artigos extremamente superficiais. não quero teorias, quero fatos detalhados se possível. gosto de informações bem técnicas. e pelo que entendi o caso foi um experimento e ñ uma alternativa p resolver um problema. eu realmente me interesso por esses assuntos que estão ligados a psiquê dos humanos. e somente através dos fatos é possível ter uma opinião próxima do fato.