Por Beatriz Pagliarini Bagagli.
Estou vendo circular uma imagem com orientações para os aplicadores do ENEM, mostrando que existem procedimentos de como tratar participantes travestis e transexuais. Bom saber que o nome social está sendo respeitado e publicizado como uma política pública, quando fiz o ENEM em 2010 isso ainda estava longe de ser uma realidade.
Nas redes, muito se disse sobre o uso de “o participante travesti” – utilizando equivocadamente o suposto genérico masculino, pois participantes travestis, via de regra, serão sempre as participantes. Faltou um pouco de refinamento para o INEP compreender essas questões identitárias. Por isso é preciso se inteirar sobre as demandas das populações que essas políticas públicas visam atender, incluindo questões aparentemente mais refinadas, como o uso da flexão de gênero de um pronome. Trata-se de uma questão de responsabilidade institucional.
Se o INEP tivesse um pouco mais de cuidado, compreenderia como soa estranho, para não dizer ofensivo, a expressão “o participante travesti”, dados todos os inúmeros contextos de utilização do pronome masculino para referenciar travestis que deslegitimam as suas identidades femininas. Com o mínimo de assessoria, o INEP teria condição de descobrir que o movimento de homens trans e pessoas transmasculinas, pessoas trans que de fato são incluídas nos pronomes de tratamento masculino, não reivindicam o termo “travesti” como forma de reconhecimento social e político de suas identidades. Todas essas questões foram abordadas pelo Instituto Brasileiro Trans de Educação:
Mas há ainda outras coisas nesse documento que estão sendo, ao que me parece, ignoradas, mas são igualmente flagrantes. Lá diz que o nome social é um pedido que pode ser “deferido” ou “indeferido”. Aí a coisa começa a ficar estranha. Por que um pedido de nome social poderia ser indeferido? O INEP não parece ser transparente quanto a esses critérios para o deferimento. Isso, num contexto de transfobia estrutural de nosso país, abre brechas para inúmeras arbitrariedades visando a negação desse direito fundamental.
Afirma-se que aquelas pessoas travestis e transexuais que não tiveram seus pedidos deferidos serão tratadas pelo nome civil. Isso é um ultraje. Como assim a sua dignidade se dá em função do deferimento de um pedido burocrático? O respeito ao nome social deve ser algo absolutamente incondicional. Você não passa a desrespeitar uma pessoa porque ela deixou de preencher um formulário no prazo estipulado.
Vi o relato de uma moça trans dizendo que o seu pedido de nome social foi indeferido apenas porque ela enviou a frente e verso do seu documento separadamente e que no dia da prova ela foi incessantemente tratada com o nome do registro civil. Isso simplesmente não é justificável ou aceitável.
Outra coisa que eu me pergunto é porque a pessoa travesti ou transexual que teve seu pedido indeferido, além de ser tratada pelo nome civil, terá que ser encaminhada para a coordenação. Para ser ainda mais humilhada e constrangida? Poder fazer uma prova de vestibular sem se preocupar com esse tipo de coisa ainda é um privilégio cisgênero nesse país.