Os conflitos das travestis com o Estado são históricos

Por Caia Tieta.

A relação das travestis com o sistema de justiça criminal sempre foi conflituosa no Brasil. Já a primeira travesti negra, no século 16, foi acusada de sodomia, que era uma espécie de crime nas Ordenações Manuelinas, sistema jurídico anterior ao primeiro Código Penal.

No século 20, os conflitos entre as travestis e o sistema, representado sobretudo pela Polícia, foram acirrados pela Lei da Vadiagem. Muitas travestis foram presas, torturadas e mortas. Militares como Guido Fonseca, Wilson Richetti e Aracati praticaram as mais severas crueldades.

Ocorriam prisões “para averiguação” nos lugares mais banais, como em filas de cinema ou no supermercado. A circulação pública de travestis estava informalmente proibida no Brasil. Nos anos 1990, a Polícia de vários estados usava ônibus e os lotava de travestis presas no mesmo dia.

O estigma social da travesti como um sujeito que representa “perigo” tem origens bastante profundas na história do Brasil. Esse estereótipo continua sendo facilmente identificado quando vemos os programas sensacionalistas e punitivistas da televisão, que condenam antes da Justiça.

Também quando procuram a Justiça (denunciantes), as travestis frequentemente são revitmizadas. Em exemplo, há casos de absolvição por estupro de menor porque o desembargador entendia as vítimas como “destituídas da timidez própria da idade” e “perderam os freios inibitórios” (ver livro Pessoa Afeita ao Crime, do Victor Serra com apresentação minha).

Como Ana Flor Fernandes Rodrigues sempre escreve: “a Polícia não nos protege”. Os nomes de Verônica Bolina, Laura Vermont, Fernanda Falcão e Maria Clara Sena também não nos deixam esquecer: o sistema de justiça criminal ainda odeia as travestis em 2020! Retribuamos com vida e com luta. Eles pensam que a maré vai, mas nunca volta!


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