Pela restituição imediata da guarda de Bárbara Pastana!

Bárbara Pastana é uma ativista travesti de Belém. Ela é mãe do seu filho de 7 anos. Um vídeo completamente inocente em que ela gravou do seu filho usando uma peruca teve repercussões absolutamente surreais: ela perdeu a guarda do filho, o emprego e passou a receber ameaças de morte por isso. É o que nos relata a reportagem da Folha de S.Paulo.

Isso mesmo que você leu: Bárbara Pastana perdeu a guarda do seu filho porque ela, uma mãe travesti, não viu nenhum problema em seu filho usar acessórios considerados femininos. Para os transfóbicos envolvidos no caso, isso se tornou um crime.

Esse é o ódio destinado a uma travesti que “ousou” ser mãe e por acaso mostrou que cria o seu filho sem preconceitos e amarras de gênero. Para a sociedade cis-heteronormativa, isso passa a ser enquadrado como se um crime fosse.

O amor de uma mãe travesti foi criminalizado. Como consta na notícia da Folha de S.Paulo, ela disse que hoje, dia das mães, se tornou o dia mais triste de sua vida. Não temos palavras para descrever o tamanho dessa violência transfóbica.

Pastana foi injustamente acusada de ter “forçado” o menino a usar… uma peruca! Sabemos que o que está por trás da ideia de que uma mãe travesti esteja “constrangendo” o seu filho a usar uma peruca (!) esconde na verdade a ideia absurda de que as vidas de pessoas LGBT são indignas, pecaminosas, erradas, contagiosas, perniciosas. Dizer que um menino usar uma peruca seja uma forma de constrangimento é o mesmo que assumir que seja vergonhoso não se enquadrar nas normas de gênero.

Supor que o filho esteja sendo necessariamente constrangido pelo mero fato de ser gravado usando uma peruca na verdade tem diversos nomes: transfobia, cissexismo, LGBTfobia, binarismo de gênero… Não há nenhuma evidência para assumir que de fato houve qualquer tipo de abuso ou constrangimento. Acreditar no contrário é o mesmo que supor que a variação de gênero em crianças seja algo errado e que precisa ser evitado a qualquer custo, é acreditar que a transgeneridade seja em si motivo de vergonha.

Para hipócritas transfóbicos, pouco importa também o sofrimento da criança, o trauma de ser separado de sua própria mãe. O mais importante é separar a mãe transgênera do próprio filho em nome da cisgeneridade compulsória.

Eu me pergunto quantos pais e mães que realmente abusaram de seus filhos LGBT pelo fato deles serem LGBT, ou por simplesmente não se encaixarem em normas de gênero e sexualidade, perderam a guarda de seus filhos. Quantos pais e mães realmente forçam a cis-heterossexualidade como o único destino aceitável para seus filhos e quantos deles foram alvos de algum tipo de processo judicial com o objetivo de proteger as crianças LGBT.

Esse caso é emblemático e todos nós que nos preocupamos com a dignidade de pessoas LGBT no Brasil temos que nos manifestar neste momento. Todas as organizações de direitos humanos devem observar de perto o desfecho deste caso e oferecer todo o suporte necessário.

Se pais heterossexuais e cisgêneros tivessem filmado seus filhos usando uma peruca, será que perderiam a guarda também? Vamos ser sinceros: o problema aqui não é apenas o menino ter sido gravado usando uma peruca. O problema aqui está no fato dela ser mãe e travesti, e assumirem de antemão que uma travesti esteja constrangendo o próprio filho.

Caso essa medida arbitrária, desumana e transfóbica não for revertida, isso mostrará não apenas que a criminalização da LGBTfobia não está valendo no nosso país, como também que a própria aplicação da lei estará sendo usada em favor do preconceito contra mães e pais transgêneros. Trata-se aqui da própria criminalização da adoção e parentalidade de pessoas trans, do uso da lei como forma de perseguição política contra a população trans.

Não há outra coisa a dizer que não seja: pela restituição imediata da guarda de Bárbara Pastana!

***

Várias pessoas comentam sobre o fato do filho da Bárbara Pestana estar chorando no vídeo, como se isso pudesse mostrar algum tipo de erro dela. De fato, não me parece adequado fazer circular vídeos de crianças chorando. Entre algo parecer inadequado e ser um crime são outros quinhentos.

Mesmo assim, as próprias pessoas que falam isso são capazes de perceber que isso não justificaria sob hipótese alguma a perda da guarda da criança. Não é porque vemos um vídeo de 20 segundos em que um menino chora usando uma peruca que podemos concluir que ele esteja realmente sendo obrigado a utilizar roupas e acessórios que não deseja.

A criança de fato foi ouvida aqui? Que tipo de evidência e provas foram recolhidas neste caso para além do vídeo que pudesse justificar a perda da guarda? Se de fato a criança está sendo constrangida a ser travesti precisaríamos de muito mais evidências do que este vídeo. E sabemos o quão improvável essa hipótese é (quantas histórias como essa você já ouviu falar?). Aliás, sabemos que este não é o caso, pois se realmente fosse, já teria motivado antes o maior escândalo.

Vamos fazer um simples exercício de especulação: se por acaso nos depararmos com um vídeo em que uma menina está chorando porque está usando vestido, será que o conselho tutelar iria tirar a guarda dos responsáveis? É óbvio que não.

Eu gostaria de saber quantos meninos são realmente forçados a usarem acessórios femininos e quantas meninas são realmente forçadas a usarem acessórios masculinos. Essa situação de fato não parece ocorrer usualmente e tem uma explicação simples: a norma de gênero é para que meninos usem acessórios masculinos e meninas usem acessórios femininos.

Uma eventual situação em que meninos sejam forçados a usarem acessórios femininos seria a exceção, algo extraordinário, enquanto crianças de fato são constrangidas a usarem roupas e adotarem comportamentos que estejam alinhados às expectativas do gênero que foi assignado ao nascimento. E mesmo a gente sabendo que crianças são rotineiramente constrangidas e violentadas caso queiram usar roupas, acessórios e brincadeiras que não correspondem às expectativas de gênero, essas violências tendem a ser menosprezadas e tidas como algo não violento.

É evidente que esse caso envolve dois pesos e duas medidas. Enquanto que qualquer sinal, por mais remoto que seja, de que uma mãe travesti esteja constrangendo seu filho a usar um acessório feminino é usado como prova definitiva de que há uma situação realmente abusiva, o contrário não é verdadeiro: pais que verdadeiramente violentam seus filhos para que eles cumpram com as expectativas de gênero não são investigados, sequer abordados.

Imagem: Folha de S.Paulo.


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