Por Bruna G. Benevides.
Todes estamos com medo…
E fugir não é um opção, nunca foi!
Tenho recebido diversas mensagens e visto muitas manifestações de desespero e pânico de uma parcela da população trans – em especial a mais jovem, falando em ir embora do país ou se esconder sob o manto da cisgeneridade.
Temos uma população extremamente vulnerável e que enfrenta diversos processos de adoecimento devido ao contexto violento em que SEMPRE estivemos inseridas, no qual a sociedade nos colocou.
Para nós nunca foi fácil.
O medo sempre esteve presente em nossas vidas. E o que nos difere, é a forma como reagimos a ele. Cedendo espaço para que ele se fortaleça; ou nos aproximando e fortalecendo mutuamente lutas históricas, a fim de criar uma resistência capaz de fazer frente contra o terror que nos assola.
Tenho dito em diversos espaços que o medo e a violência são as primeiras instituições que pessoas LGBTI, em especial as Trans conhecemos, ainda muito precocemente.
Travestis e Transexuais sempre foram violentadas, expulsas de casa, marginalizadas, excluídas e rechaçadas em quase todos os ambientes. Tudo isso, em praça pública, na frente dos olhos do estado. Espancadas até morte, com objetos introduzidos no ânus, 50 facadas, 80 tiros, para que sirva de exemplo para as demais, como um recado: É isto que te espera. Em um verdadeiro freek show dos horrores.
Antes, eramos presas apenas ao transitar nas ruas. Não andávamos a luz do dia ou podíamos experienciar nossas identidades de gênero, por medo de repressão e violência (olha ela aí novamente!), que parecem ser sinônimos de nossas vidas.
Sempre foi assim. E sempre resistimos.
Ser travesti é o maior crime que cometemos!
Proibidas de fazer parte da cidade, ter um nome, direitos ou família, afetos e mesmo um lar. Sem oportunidade de estudar, acessar as universidades, lojas, shoppings… simplesmente não existia a possibilidade de sermos vistas como gente.
Mesmo assim, sempre houveram aquelas pessoas que, contrariando a expectativa, resolveram lutar. Dar suas vidas, sua saúde, suas existência e seus corpos para que as coisas mudassem. Para que outras pessoas não fossem mais submetidas ao que viveram. E para quem ela lutaram?
Elas foram presas, violentadas, expulsas, silenciadas, assassinadas, pelo único crime que cometemos: Ser quem somos! Para muitas de nós, lutar não é uma opção, mas uma questão de sobrevivência (bem familiar hoje em dia não acham?).
E foi graças a esta luta, de quem morreu por mim e por você, que hoje temos alguns poucos direitos e políticas públicas que contemplam o respeito e uso do nome social, que nos permite acessar a saúde, as escolas, espaços de empregabilidade, de lutar por direitos e até mesmo retificar nossa documentação, sem necessidade de laudos ou cirurgias. Meu amor, estamos discutindo reserva de vagas nas universidades!
Poder votar com seu nome no titulo é um privilégio! Ter uma conta bancária, com cartão do banco em seu nome, saber ler, escrever e ter acesso a saúde também. Ter a oportunidade de escolher entre lutar e desistir, idem. Escolhe sair do país, nem se fala!
Na primeira instituição que conhecemos, nossa família tradicional, real e comum, muitas de nós nos deparamos com parentes extremamente violentos, opressores e que destroem nossos sonhos, nossa saúde mental e as vezes nossa própria identidade, por acreditarem que somos um erro e que devemos pagar por isso. São diversas violências, físicas e psicológicas, violações e omissão.
Não são raros casos de expulsão de casa, por pais que sempre flertaram com a intolerância. Que internam seus filhos e filhas compulsoriamente, acreditando que temos algum desvio de caráter ou possessão demoníaca, devido a ideologia religiosa que acreditam e defendem. Que estupram suas filhas lésbicas para que vire mulher. Há ainda diversos casos de assassinatos!
Na escola não é diferente. A verdadeira Ideologia (cis)gênero impera e é perpetrada compulsoriamente, sem a possibilidade de haver um convívio possível ou saudável com a diversidade, que existe e sempre existiu. Não a toa, mais de 70% das LGBTI ja sofreram algum tipo de bullying e violência devido a LGBTIfobia estrutural e institucional por parte de estudantes, colegas de classe, professores, diretores e afins, nas instituições de ensino.
Tudo pela manutenção do poder hegemônico que é ligado a fatores religiosos, moralistas e com grandes doses de fascismo higienista. Valores que são passados de Avô para pai. De pai para filho e assim por diante.
Hoje, reivindicamos direitos e espaços que não foram pensados para nós. Ocupamos cargos que não nos era permitido. Usamos banheiros de acordo com nossa identidade de gênero e nos posicionamos em caso de violação destes direitos básicos.
E para quem eu, LUTO?
Por acaso foi em vão a luta daquelas pessoas que morreram ou foram mortas em nome do bem maior, que inclusive ajudaram a criar e fortalecer o movimento que temos hoje? E onde vocês estão nessa luta?
Desculpem, mas eu – assim como muitas – estou cansada. Muito! Porque somos poucas, lutando por todxs. Carregando um peso enorme nas costas e sendo apontadas porque não está sendo suficiente. De só olharem os erros, mesmo quando erramos tentando acertar. Há companheiras, as que sobreviveram, que ”fundaram” o movimento e ainda continuam na luta por que vocês escolheram se isolar em uma bolha que lhes protege – até certo ponto.
Se cada um, uma e ume, entendesse seu papel nesta engrenagem, as coisas seriam bem diferentes. Vocês não aprenderam nada com as Travestis? Depois me perguntam sobre a falta de representatividade dos homens trans nos espaços. Onde estão vocês?
Se aproximem de quem está na luta, de pessoas que gostam de você e querem seu bem. Saiam de casa, do computador. Vamos nos organizar, criar laços de afetos e lugares seguros para nós. Honrem nossa ancestralidade e nossa história. Enxuguem as lágrimas solitárias, vamos lutar e chorar juntxs!
Independente de governo, a resistência sempre se fez necessária e não será agora que iremos baixar a guarda. A história nos ensina e cobra isso…
Vem pra luta… Não apenas contra #elenão mas contra todxs que sempre nos perseguiram!
Vamos fazer parte desta história!
Por mim, por você, por elas, por todes!