Tradução de Viviane V. Gqueer
[publicado em 15 de novembro de 2012]
Desde o primeiro Dia Internacional de Memória Trans [Transgender Day of Remembrance, no inglês] em 1998, as mortes violentas de mulheres trans racializadas[1] infelizmente predominaram neste evento anual dedicado à memória e celebração das vidas daquelas pessoas que são vítimas de assassinatos transfóbicos. Este ano não é diferente, com eventos pelo país [Estados Unidos] sendo organizados para lamentar mulheres trans racializadas recentemente mortas, como Brandy Martell, Coko Williams, Paige Clay and Deoni Jones – todas mulheres negras cujo único ‘crime’ foi a ousadia de abertamente viver.
Em que pesem recentes avanços no movimento transgênero, incluindo-se o precedente estabelecido de se estenderem direitos de proteção ax empregadx a todxs xs membrxs da comunidade, as mortes destas mulheres continuam a evidenciar a dura realidade de injustiça que pessoas trans racializadas enfrentam em face do racismo sistêmico existente. Fazendo-se importante, assim, enfatizar que o objetivo de se erradicar a opressão de gênero, um passo necessário no movimento transgênero, tem falhado em manter pessoas trans racializadas vivas.
Não preciso mencionar a importância do Dia Internacional de Memória Trans como um ato viável de visibilidade e resistência. Entretanto, não nos é suficiente simplesmente lamentar por estas vítimas – nós devemos trilhar os passos necessários à destruição das barreiras institucionais racistas que perpetuam suas mortes, e não deixar o peso desta responsabilidade sobre as comunidades organizadas a partir do vetor racial-étnico. Ao invés disso, as organizações ativistas transgêneras, predominantemente brancas [observar que o autor se refere ao contexto estadunidense], que sem dúvidas têm maior acesso a recursos – financeiros ou não –, devem começar a considerar as vidas das pessoas mais vulneráveis de nossa comunidade com seriedade, desenvolvendo e garantindo o funcionamento de políticas que partam de uma perspectiva interseccional (transversal) às identidades de mulheres trans racializadas.
Neste sentido, uma efetiva conscientização das barreiras estruturais históricas que proíbem o avanço econômico para todas pessoas racializadas deve formar a base de nosso ativismo. Não podemos implementar leis e políticas bem-sucedidas sem dar atenção à realidade de que a insegurança econômica vivenciada por mulheres trans racializadas é produto de pobreza cíclica e sistemática. Ao fazermos isso, poderemos então começar a deliberadamente criar programas de emprego que sejam direcionados especificamente a pessoas trans racializadas e ao nosso direito a justiça econômica.
Também devemos chegar à compreensão de que – diferentemente dxs companheirxs brancxs –, conforme pessoas trans racializadas sofremos as pressões do racismo, nós estamos mais suscetíveis a doenças físicas – como alta pressão sanguínea –, e mentais – como depressão, apatia, etc [2]. Torna-se importante, assim, concentrar energias não somente em torno da necessidade de acesso a recursos de saúde ligados a hormônios e cirurgias relacionadas às ‘transições’, mas também em torno de serviços de saúde que sejam culturalmente competentes, financeiramente acessíveis, e que levem em consideração opressões raciais e os quadros clínicos que elas fomentam. Nossa saúde é nossa maior defesa para manter as comunidades trans racializadas vivas e em desenvolvimento.
Ademais, ao se considerar a posição central da questão racial, ativistas transgêneros podem começar a enfrentar as disparidades educacionais vivenciadas por jovens trans racializadxs. O medo de assédio não somente devido à inconformidade de gênero, mas também devido à discriminação racial, forçou muitxs jovens trans racializadxs a sofrer bullying como consequência esperada do que são, ou a deixar a escola de vez, levando à ampliação da distância em termos de desenvolvimento econômico. Ao criar espaços seguros para jovens trans racializadxs – em especial, garotas –, devemos promover um ambiente que honre e valorize sua raça-etnia tanto quanto sua identidade de gênero.
Enquanto muitas pessoas transgêneras brancas podem celebrar os ganhos recentes do movimento, não podemos esquecer que pessoas transgêneras racializadas têm acesso limitado a estes ganhos. Se a luta pelo reconhecimento equânime de todas as pessoas transgêneras é nosso objetivo, então os passos que assegurem a longevidade das pessoas trans racializadas não podem permanecer secundários em nossa missão.
Celebremos isto neste 20 de novembro.
N.T:
[1]- trans women of color, no inglês. Preferi o termo ‘racializadas’ ao considerar que pode haver leituras problemáticas no termo ‘de cor’, porém admito desconhecer que terminologia seria mais adequada ao contexto brasileiro. Ao utilizar ‘racializadas’, a referência é às não branquitudes, com destaque às negritudes em especial, seguindo a linha do texto original (escrito por uma pessoa negra) e pensando também no contexto brasileiro.
[2]- a utilização de ‘sofremos’ e ‘nós’ é feita em referência ao autor do texto original.
Fonte original: http://blackademic.com/why-centering-race-in-transgender-advocacy-is-key-to-equality-for-all/
Essa postagem faz parte da Blogagem Coletiva Mulher Negra, na semana que antecede o Dia da Consciência Negra, dia 20/11.
Comentários
3 respostas para “Porque a centralização da questão racial no ativismo transgênero é a chave da igualdade para todxs nós”
Obrigada pela colaboração. Importante demais falar das mulheres trans negras. Amei de coração.
Imagina! Precisamos mesmo abordar mais questões raciais no blog. bjs!
reportagem da folha. veja o que afirma um dos “psi” entrevistados, roberto grana
http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1187740-para-psicologos-transexualismo-nao-e-doenca.shtml