Prostituição e reivindicações de direitos

Textos de Caia Coelho.

Vamos falar sobre PL Gabriela Leite sem apelo à palavras como ‘proxenetismo’? Atualmente, no Brasil, é proibida qualquer tipo de prática que seja considerada ‘facilitação da prostituição’. Isso significa que a organização sindical de prostitutas pode entrar nesse quadro, assim como qualquer dinâmica que vise a segurança da trabalhadora sexual no exercício da profissão.

Quer um exemplo dessa dinâmica? Por causa do frio ou da violência, três prostitutas se juntam e alugam um apartamento de dois quartos. A primeira e a segunda trabalhariam e a terceira ‘organizaria o caixa’, recebendo pagamentos, passando troco… É justo quem está no caixa ficar sem receber por um dia de trabalho? Eu não acho, mas a lei atual não só acha, como a classifica penalmente como ‘exploradora do trabalho sexual’, ou nas palavras das abolicionistas e do senso comum, como uma cafetina.

O objetivo do projeto é permitir o reconhecimento de prostitutas enquanto trabalhadoras e, portanto, a organização de ordem sindical, além de regularizar as casas de prostituição, mantendo a criminalização da exploração sexual. Esse segundo ponto muitas vezes é mal interpretado como ‘regulamentação da cafetinagem’. Isso eu faço questão de desmentir.

Na verdade, o PL Gabriela Leite entende que uma prostituta trabalhando em condições salubres, com iluminação, água e um caixa para receber o dinheiro, garante à profissional do sexo uma segurança com a qual atualmente ela não conta, nem pode contar sem ser criminalizada por isso.

Para isso, o texto define o percentual de 50% para as demandas econômicas da casa: aluguel, água, telefone… A partir desse percentual, se estabelece um limite que é referência na definição do que é exploração e o que é trabalho. Há quem questione ser um número muito alto, acho até válido, mas chamar de cafetinagem e encerrar a discussão aí é simplista e se utiliza unicamente da carga emocional associada a essa palavra.

***

Abolicionista – “a gente precisa acabar com a rede de prostituição infantil”.

Eu – Sim, a gente precisa acabar com o trabalho infantil, to-dos eles, e com a pedofilia. O que você tá fazendo por isso? Querendo criminalizar a prostituição no geral? Se você defende isso, seja coerente e também reivindique a criminalização do trabalho em fábricas, depósitos e do trabalho doméstico. Seria uma baita irresponsabilidade, mas por que não faz isso?

Lembrando que já existem leis no Brasil proibindo o trabalho infantil e a pedofilia. O que falta para elas funcionarem na prática? Se estamos engajadas contra a rede de crianças em situação de prostituição, precisamos ter preocupações como essas. Mas é inadmissível se utilizar disso para deixar mulheres adultas ainda mais vulneráveis ou para impedir a aprovação/execução de projetos elaborados por prostitutas.

Como diz a Morganne Merteuil, líder da Strasse (syndicat du travail sexuel da França), “eu entendo a ideia de abolir o capitalismo, as estruturas classistas, as dinâmicas de gênero e de raça, todos os tipos de exploração. Por um lado, eu entendo a perspectiva sindicalista de que buscar melhorar as condições de trabalho daqueles que são explorados, incluindo as trabalhadoras sexuais. Claro que faz sentido, por sua vez, “abolir” uma indústria específica – como a nuclear ou a de armamentos –, ao menos no que diz respeito a interromper a produção dessas mercadorias. Mas no que diz respeito ao trabalho sexual, dada sua dimensão sexual específica e dado o fato de que ele não participa diretamente na produção de mercadorias, mas sim na reprodução humana a partir de trabalhos de caráter emocional e íntimo, parece muito difícil imaginar que esse trabalho não seja mercantilizado – ainda mais se considerarmos a atual organização da sociedade, especialmente no que se referem a essas áreas, muito dominadas ainda por dinâmicas de classe, gênero e raça”.

Imagem: Georgina Orellano Ammar.


Publicado

em

por