Resposta ao vereador Carlos Bolsonaro

Texto de Lana de Holanda. Publicado originalmente em 09 de outubro de 2016.

O vereador Carlos Bolsonaro fez uma postagem que pode ser considerada transfóbica, desqualificando sem muitos argumentos o Projeto de Lei 1297/2015, que propõe desconto de impostos para empresas que contratarem travestis e transexuais na cidade do Rio de Janeiro.

Por isso escrevo aqui algo direcionado para o nobre deputado, mesmo sabendo que ele jamais irá ler:

Vereador Carlos Bolsonaro, você foi o vereador mais votado do Rio de Janeiro nessas eleições. Sua votação foi expressiva e representa muitas pessoas que pensam como você. Pessoas essas que gostam de pensamentos rasos e fáceis, quando na verdade tudo na vida é mais profundo, e geralmente, mais difícil. Por isso gostaria de expressar aqui o quanto você errou ao “argumentar” contra o tal Projeto de Lei.

Você critica o projeto afirmando que “opção sexual não define competência ou caráter, pois somos todos iguais”. Realmente opção sexual não define essas coisas, mas interessante como isso não é observado quando o gay é tratado como alguém menor, sem caráter ou promíscuo, apenas por ser gay. Contudo vereador, acho importante avisar que ser travesti ou transexual não se trata de orientação sexual como você disse, mas sim de identidade de gênero. São duas coisas diferentes e que você, Carlos Bolsonaro, e sua equipe saberiam caso tivessem se dado ao trabalho de ler algo sobre transexualidade e sobre gênero, já que iriam fazer uma postagem sobre isso. E claro, se um dia forem ler algo sobre esses temas, aconselho que leiam algo de cunho científico ou sociológico, não religioso por favor. Mais fatos e menos sensacionalismo, isso é muito importante. Possuo textos e autores/autoras que posso te indicar.

Outro ponto que tenho que discordar Bolsonaro, é de quando você diz que “somos todos iguais”. Não, não somos. Nossas realidades são muito diferentes, inclusive quando o assunto é mercado de trabalho. De acordo com a ANTRA, 90% das pessoas trans (transexuais e travestis) estão fora do mercado convencional de trabalho no Brasil. Diferentemente das pessoas cisgêneras*, as pessoas trans encontram muita dificuldade de conseguir um emprego formal, pois a transfobia é algo que existe e que é praticamente compulsória na nossa sociedade. Caro vereador, quantas trans e travestis você já viu exercendo algum trabalho que não seja em salões de beleza ou mesmo na prostituição? Você acha mesmo que elas não estão no mercado formal de trabalho ocupando as diferentes áreas possíveis por que não querem, por que todas não se esforçaram o suficiente, ou por que na verdade isso é sistematicamente negado a elas?

Atualmente muita gente não tem conseguido emprego por conta da “crise”, mas para trans/travestis a crise dura a vida inteira, e não começou agora, mas é algo histórico e sem previsão de término.

O tempo todo eu vejo travestis e mulheres trans relatando opressões e situações constrangedoras ao procurarem trabalho. A mesma coisa com os homens trans. Essas pessoas sofrem todo tipo de embaraço ao irem fazer uma entrevista de emprego, não tendo suas identidades de gênero respeitadas, e muitas vezes o foco da entrevista até muda de direção. Ao invés do recrutador fazer perguntas clichês, como qual a qualificação da pessoa, ou em quê ela acha que pode contribuir com a organização, as perguntas acabam indo para um lado mais pessoal, invasivo e intimidador, como “Você já operou?”, “Você pretende operar?”, “Mas qual era seu nome antes, o seu nome de verdade?”, “Você tá usando vestido, mas você é menino né?”. Coisas desse tipo, que obviamente são ofensivas para qualquer pessoa trans, e que são totalmente desnecessárias num processo seletivo.

Bolsonaro, ao fazer um post criticando um Projeto de Lei, e dizendo que somos todos iguais, você deveria ter tido a mínima coerência de pesquisar antes sobre a nossa realidade, ou seja, sobre a realidade das pessoas trans, que seriam as principais beneficiadas por essa lei. Pesquisar antes de falar ou escrever é o mínimo que se espera de um representante eleito. Eu jamais votaria em você ou em alguém da sua família, pois nossos ideais, nossa realidade e nossas visões de mundo são totalmente opostas, mas quero muito acreditar que honestidade intelectual é algo que também seja defendido por quem votou em você.

E antes que seja pensada ou usada a palavra “vitimismo”, gostaria de lembrar que o Brasil é o país que mais mata trans e travestis no mundo. Não existe vitimismo quando já se é vítima. Pessoas trans são expulsas de casa, expulsas dos colégios e tem sua presença negada em diversos espaços. Pessoas trans não tem seus nomes, seus corpos e suas vidas devidamente respeitados. A expectativa de vida de transexuais no Brasil é de 35 anos de idade, enquanto do restante da população é de 75 anos, segundo o IBGE. Então é óbvio que essas pessoas (as quais eu me incluo) são jogadas para a margem da sociedade, e qualquer tipo de lei que vise reparar ou diminuir essas desigualdades deveria ser apoiada e incentivada. Mas infelizmente vereador, como você sabe, o fundamentalismo e o fascismo tem tomado conta da nossa política e isso impede que pessoas como você vejam a realidade além do seu mundo encantado.

Contudo, espero que você melhore. Espero que você melhore muito, e quem sabe um dia possa contribuir com algo de verdade e não apenas com espetáculos prontos. Para se importar com as trans e as travestis, e com todas as demais minorias, basta ter amor ao próximo. A Bíblia costumava ensinar isso, se não me engano.

Atenciosamente.

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*Cisgêneras são aquelas pessoas que se identificam com o gênero ao qual foram designadas ao nascer, ao contrário das pessoas Transgêneras que não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído. Você Bolsonaro, por exemplo, é um homem cis, enquanto eu sou uma mulher trans.

Imagem: Projeto de Lei 1297/2015.


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