Existe uma tese de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre pessoas trans poderem usar os banheiros de acordo com suas identidades de gênero decorrente do Recurso Extraordinário (RE) (845779) que nunca chegou a ter o seu processo concluído, pois foi interrompido em 2015 por um pedido de vista do ministro Luiz Fux. O ministro Luís Roberto Barroso havia então proposto a seguinte tese para a repercussão geral: “os transexuais têm direito a serem tratados socialmente de acordo com a sua identidade de gênero, inclusive na utilização de banheiros de acesso público”. A princípio, poderíamos acreditar que pelo fato de pessoas trans já conquistarem o direito a retificação em 2018 pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.4.275/DF essa “lacuna” jurídica, gerada por esta interrupção, não seria tão grave. Mas infelizmente não é bem assim.
A ausência da decisão do STF quanto o uso do banheiro já está produzindo seus efeitos, sobretudo quanto aos jovens trans menores de idade em contexto escolar. Diante de tal lacuna, leis completamente inconstitucionais acabam sendo aprovadas, ao exemplo da cidade de Campina Grande, na qual o prefeito Romero Rodrigues recentemente proibiu o uso do banheiro conforme a identidade de gênero de pessoas trans nas escolas públicas e privadas do município sob o pseudo-argumento de vedar o que se entende ser a “interferência da ideologia de gênero”. Qual é o limite disso?
É muito preocupante como ficará o acesso à educação dos jovens trans neste contexto de ora insegurança e inconsistência jurídica, ora exclusão e discriminação sancionadas legalmente por eventuais leis municipais. Assim, é visível que o STF retome esta questão, pois evidentemente isso tem repercussão geral na medida em que prefeitos e políticos podem inventar leis excludentes e discriminatórias das cabeças e achismos deles.
Devemos nos perguntar: quais mecanismos temos para proteger estudantes trans nesta situação? Vale lembrar que o STF já julgou inconstitucional uma lei municipal de Novo Gama/GO que proibia debate sobre identidade de gênero nas escolas. Ora, se a proibição do uso do banheiro por jovens trans se dá sob o argumento de vedar a “interferência da ideologia de gênero” nas escolas, só podemos depreender a inconstitucionalidade da lei aprovada pelo prefeito de Campina Grande. Podemos facilmente apontar a inexistência da competência de municípios em legislarem tanto sobre o uso do banheiro no que se refere às identificações de gênero não cisnormativas quanto no que diz respeito aos conteúdos ministrados pelos professores.
Pois bem, é preciso nos direcionarmos a Romero Rodrigues: a sua lei transfóbica acirra ainda mais a exclusão de pessoas trans das escolas. É preciso dizer: Romero Rodrigues, os estudantes trans precisam ter acesso às escolas de Campina Grande! Caso o senhor não saiba, pessoas trans são extremamente hostilizadas em espaços familiares e escolares, o que culmina nas suas expulsões destes locais e marginalização social. Jovens trans também tem o direito à educação. Proibi-las de acessar os banheiros é chancelar a exclusão já tão presente e cotidiana deste direito que deveria ser inalienável.
O senhor pretende se manter cúmplice com a expulsão de travestis das escolas? Quais as medidas que o senhor Romero Rodrigues implementou a favor da população trans? O que o senhor irá fazer com essas travestis expulsas de casa e das escolas, que não conseguiram completar o ensino básico, não encontram trabalho formal e por isso encontram na prostituição a única fonte de renda? Quais as leis aprovadas pelo senhor para incluir pessoas trans na sociedade? Como travestis e pessoas trans vão acessar espaços educacionais se elas não poderão acessar os banheiros destes locais? O senhor irá se responsabilizar caso pessoas trans desenvolvam problemas urinários em função desta proibição?
Imagem: UerjResiste.
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