Por Beatriz Pagliarini Bagagli.
Alguns dos conceitos que me parecem serem extremamente produtivos para pensarmos questões trans e de subjetividade: experiências produtivas/improdutivas de determinação/indeterminação. Vejo Christian Dunker mobilizando esses conceitos, mas gostaria de aplica-los para questões especificamente trans.
Pessoas trans são estigmatizadas, ou melhor, “acusadas”, de habitarem SEMPRE experiências improdutivas (ou serem frutos dessas experiências) tanto de determinação quanto de indeterminação.
Tanto a determinação quanto a indeterminação são usadas contra nós, são usadas para nos fazer de bodes expiatórios das experiências improdutivas de todo sujeito, para supostamente provar o quanto nossas formas de vida trans são essencialmente erradas, alienadas/alienantes, são jogadas em nossa cara, a determinação e indeterminação, como estigmas.
O que seria uma experiência improdutiva de determinação – ou melhor, como pessoas trans são vistas como culpadas dessas experiências que qualquer pessoa pode experienciar: “pessoas trans reproduzem estereótipos de gênero/ pessoas trans estão presas nesses estereótipos/ se não existissem estereótipos de gênero pessoas trans não existiriam/ o movimento trans quer obrigar a crianças a tomarem hormônio com base nesses estereótipos/ o transativismo é conservador porque reforça o gênero, etc.”
O que seria uma experiência improdutiva de indeterminação – ou melhor, como pessoas trans são vistas como culpadas dessas experiências que qualquer pessoa pode experienciar: “destruição da família tradicional/ menino é menino e menina é menina/ só existe xy e xx/ movimento LGBT é perigoso pois trará “confusão” para cabeça de crianças/ não existe liberdade pra ser o que você quiser ser/ pós-modernismo recusa a verdade objetiva/ transfeminismo ignora a realidade material do sexo/ etc”
É preciso fazer um giro de deslocamento e mostrar que a luta de pessoas trans não se resume à reiteração e defesa de experiências improdutivas de determinação ou indeterminação. É preciso superar urgentemente a ideia de que a demanda por reconhecimento da população trans estaria necessariamente presa à experiências, sejam de determinação ou indeterminação, improdutivas. A luta de pessoas trans envolve sobretudo a defesa e criação de experiências produtivas de indeterminação e de determinação.
A luta de pessoas trans não se resume à reforço de estereótipos de gênero porque é de interesse da reivindicação de direitos coletivos de pessoas trans a busca por experiências produtivas de indeterminação (a possibilidade de fluidez em relação ao próprio gênero, a não imposição de expectativas normativas em relação a identidade de gênero, a abertura para a legitimidade e reconhecimento das identidades em sua multiplicidade, o não constrangimento de pessoas em virtude do seu não encaixe nessas expectativas, a não necessidade de determinação identitária, ex., “eu não preciso me definir”).
A luta de pessoas trans também não se resume à experiências de destituição absoluta da subjetividade, que pudesse representar a perda de qualquer parâmetro de auto-determinação, como se a luta de pessoas trans pudesse representar um risco para a própria dissolução da sociedade e do Sentido – o que certamente é apenas a projeção imaginária mobilizada por discursos reacionários do elemento trans como causador de todos os nossos males. Exemplos de experiências produtivas de determinação envolvem sobretudo a demanda por reconhecimento das identidades, como no âmbito jurídico (retificação de documentos, direito ao próprio nome), da saúde (acesso a cuidados específicos, como hormonioterapia e cirurgias), família, trabalho e moradia.