Por Beatriz Pagliarini Bagagli.
Vamos analisar a “lógica” de uma radfem – a partir de prints postados no perfil de Santana. O fato de Angela Davis ser solidária à luta de pessoas trans na perspectiva de uma radfem branca se dá em função de um suposto medo de Angela de ser “cancelada” pela militância trans. O que a radfem não consegue conceber é que a solidariedade de Angela Davis seja não apenas sincera e autêntica mas também pautada em uma análise concreta e materialista da condição de vida de pessoas trans. Você se solidariza com a luta de pessoas trans não porque está com “medo de ser cancelado” mas porque existem razões éticas e políticas para tanto. É preciso dizer explicitamente isso para as radfem. Percebam ainda a arrogância da radfem branca em acreditar que ela pode revelar a suposta “verdadeira” opinião de Angela Davis, que a opinião dela sobre a questão trans é insincera, retratando-a como uma pobre mulher negra indefesa que deixaria de expressar a sua verdadeira opinião porque estaria de alguma forma refém da maléfica militância trans.
Dizer que uma pessoa cis, em especial aqui, uma mulher cis negra referência da luta antiracista nos EUA, só poderia apoiar e ser solidária com a luta trans “por medo” colabora então com duas teses ou posições do feminismo radical trans-excludenteque podem estar implícitas:
1) como eu já havia dito, as pautas trans não teriam sustentação própria (então é esperado como algo natural que ninguém se solidarize com a luta trans a princípio, assumimos que a luta trans não importa; se há solidarização de alguém haveria algo de errado a ser explicado, como o tal “medo de cancelamento”);
2) o movimento trans é perigoso e agressivo e teria muito poder (“lobby” queer, trans, não binário, etc).
As pautas trans são defendidas porque vidas trans também importam. Se o que aparece como fato é o movimento trans “cancelar” alguma celebridade (J.K Rowling), ativista ou intelectual, isso já é, em si, uma interpretação que enquadra pejorativamente as críticas de ativistas trans e transfeministas. Não nos interessa “cancelamento”, estamos falando sobre tomada ética de posição política, estamos em outro campo, que não é do “cancelamento”, estamos no campo teórico e prático dos movimentos anti-opressão.
Foto: Paul Morigi via Getty Images/ Geledés.
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Angela Davis fala sobre a comunidade transgênera – transcrição da fala no vídeo compartilhado pela página Olhar.
“O feminismo do qual falo não respeita a estrutura binária de gênero, e reconhecer a contribuição da comunidade não binária é muito importante, não apenas por apontar os problemas reais que precisam da nossa atenção; claro, muitos de nós já sabem que mulheres trans negras são alvo de violência racista mais que qualquer outra comunidade. Nós estamos falando de violência de Estado, violência individual, de estranhos e de violência íntima… então, se queremos desenvolver uma perspectiva interseccional, a comunidade trans está nos mostrando qual o caminho. E nós precisamos falar de casos como o assassinato de Tony McDade (homem trans negro) por exemplo e precisamos ir além disso, e deixar claro que apoiamos a comunidade trans justamente porque é essa a comunidade que nos ensina como desafiar tudo aquilo que é aceito como normal; e eu não acredito que estaríamos onde estamos hoje, encorajando cada vez mais pessoas a pensar com um ponto de vista abolicionista, se a comunidade trans não tivesse nos ensinado que é possível desafiar de forma efetiva aquilo que fundamenta a nossa noção de normalidade. Então, se é possível desafiar o binarismo de gênero, com certeza nós podemos mostrar resistência a prisões, celas e polícia.”