Texto de Yuretta Sant’Anna.
Já passou da hora de abandonarmos a ideia de que “cisgênero” é o indivíduo que se identifica com o gênero designado no nascimento. Isso só é verdade até certo ponto, até certa camada de análise.
Ninguém se identifica totalmente com esse amontoado de informações que caracterizam as figuras sociais vigentes (homem e mulher), até porque se narrar a partir disso seria reafirmar essas organizações, quando o que buscamos e fazemos é justamente contestá-las.
Todo sujeito, cis ou trans, tensiona as categorias acima, porque os processos de reconhecimento se dão em um jogo de aceitação e rejeição mútua e inconstante, variando apenas a intensidade das rejeições, que deslocam uns e alocam outros, mas toda identidade sustenta ambivalência nesse jogo.
Ninguém é homem ou mulher porque simplesmente se identifica com os estereótipos desses gêneros. Esse é um artifício da retórica extraído das brechas que a definição amplamente utilizada de cisgeneridade deixou.
As pessoas se reconhecem dentro das categorias de gênero de acordo com a soma de diversos fatores que não podem ser listados, fixados ou universalizados, porque cada experiência colocará um peso e uma medida para determinada característica de gênero.
Cisgênero é o sujeito que tem sua identidade de gênero respeitada e legitimada pela sociedade e Estado desde o nascimento.
É condição sociopolítica que marca privilégios.
Não é sobre aceitar tudo o que dizem que é próprio do seu gênero.
Não é sobre identificar-se, pelo menos não da maneira como essa identificação é interpretada, como algo arbitrário e esporádico.
É sobre reconhecer-se homem ou mulher e ter esse reconhecimento protegido pela cisnormatividade, graças a autoridade que a relação identidade x sexo confere dentro desse sistema de expectativas.
Paz.