Minhas histórias transgêneras

Texto de Maria Lucia G.

Dizem que quando alguém morre, existem 5 passos do luto: Negação, raiva, depressão e aceitação. Como naquele famoso título do game Zelda. Digamos que eu estou na interface da depressão com a raiva; sinto os dois separadamente, mas nada bem definido.

Permita-me explicar. Minha descoberta ocorreu há aproximadamente 5 meses, e desde então eu segui o caminho mais correto possível, indo a psicóloga e em seguida a endócrino. Eu confio na ciência o suficiente para saber o quão importante isso é pra mim.No entanto, algumas coisas começaram a me atingir há algumas semanas. Quem sou eu? Que parte de mim é essa pessoa nova? Quem dessa pessoa que eu achava que era vai sobreviver?

E quando menos esperava algo aconteceu: eu morri. Morri para renascer mas, ainda sim, o meu antigo eu morreu. E, como toda morte, essa veio inesperada e cheia de questionamentos sérios e profundos. De fato, meu antigo eu ia agonizando desde o final do ano passado, cambaleante, tentando escapar das paredes desse labirinto móvel que iam fechando, deixando apenas um caminho.

Voltando às conseqüências dessa morte, a base que eu tinha para lidar com problemas e questionamentos internos se esvaiu, e com ela, toda a minha capacidade de repelir sentimentos ruins. Eles vieram com tudo e, como durante a maior parte da minha vida o bloqueio dos meus sentimentos servia para me afastar de mim, eu simplesmente os deixei fluir. Isso culminou na pior semana da minha vida por vários motivos, dentre eles a profunda tristeza que eu estava sentindo.

Curiosamente, após conseguir me recuperar dela, várias soluções emergiram e, com elas, mais questionamentos. Só que dessa vez eles foram mais sóbrios, e são os que eu quero discutir aqui.

A questão é o que me define como mulher. Meu corpo é masculino, minhas feições são masculinas e meu comportamento automatizado também. Entretanto, se eu almejo tanto essa transformação, e estou disposta a lutar com unhas e dentes para conseguir alcançar meu objetivo, se tenho certeza do que quero e do que sou, de onde vem essa dor?

A resposta para essa pergunta vem dela própria. Exatamente pelos meus traços serem masculinos; Exatamente por esperarem de mim um comportamento “de homem” que eu o sou. É uma simbiose complexa e difícil de ser quebrada. Ao mesmo tempo que eu quebro um pouco cada dia, forçando meus comportamentos, minhas idéias e até minha voz para o lado feminino da força, o fato de eu não poder fazer isso com liberdade é o que me machuca.

Outro detalhe importante é a solidão. Eu tenho um grupo de apoio, composto por amigos e minha irmã, pessoas maravilhosas, que me aceitam e ajudam. No entanto, com a morte do meu antigo eu, eu comecei a trilhar um caminho em que eles não podem seguir. Eles não conseguem seguir. Questionamentos, falta de referências de pessoas MtF, detalhes na visão de mundo, espaços “woman only”… Tudo isso passa pela minha cabeça diariamente, muitas vezes tudo isso ao mesmo tempo.

Então, ao mesmo tempo que eu estou amparada, eu estou completamente só, pela primeira vez na minha vida. Mais aterrorizante que certas webseries do YouTube por ai…

Atualmente eu estou em busca de um grupo que realmente possa discutir tudo isso que estou passando com pessoas que passaram ou vão passar por isso. Espero encontrar.

Enquanto isso, a vida vai seguindo, com dias melhores e piores, nessa transição tão singela que estou passando.

Boa sorte para todas nós.

Imagem: Poemação.


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Comentários

Uma resposta para “Minhas histórias transgêneras”

  1. Avatar de Pih Soph
    Pih Soph

    Existe um modo de eu entrar em contato com a Maria Lucia? Eu me senti tão abraçada por esse textinho e ele falou tanto comigo.